quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Novas pesquisas questionam teoria da evolução de Darwin

Peter Moon

O século XIX produziu três grandes pensadores que revolucionaram o pensamento humano: Sigmund Freud, o pai da psicanálise, Karl Marx, o teórico do comunismo, e Charles Darwin, autor da teoria da evolução das espécies. Neste início do século XXI, só um deles sobrevive a pleno vigor. O marxismo perdeu sua aura a partir de 1989, com a queda do Muro de Berlim e a subsequente falência dos Estados comunistas. A teoria psicanalítica de Freud, baseada na interpretação do inconsciente, já sofreu inúmeras revisões e, nas duas últimas décadas, foi ofuscada pelo sucesso dos remédios antidepressivos (como, aliás, o próprio Freud previra). Darwin teve outra sorte. Suas teses foram tão amplamente confirmadas no século passado que pareciam inquestionáveis. Não mais. Enquanto se comemoram os 200 anos de seu nascimento (dia 12), a árvore da vida – um conceito central na teoria da evolução – está para cair.
Isso não significa que Darwin vá seguir o caminho de Freud e Marx. Para começar, a revolução que ele provocou tem outra dimensão, comparável apenas ao abalo provocado pelo astrônomo polonês Nicolau Copérnico, em 1543.
Copérnico descobriu que a Terra girava em torno do Sol. Não era, portanto, o centro do Universo. Darwin fez o mesmo com o homem. Ao descobrir que obedecemos às mesmas regras evolutivas dos chimpanzés, das orquídeas, até dos fungos e bactérias, tirou-nos do centro da criação. Essas regras – o mecanismo da seleção natural, revelado com a publicação de A origem das espécies, há 150 anos – não estão em xeque, e só elas já lhe garantem o status de um dos maiores gênios que a humanidade produziu. Onde está, então, o erro de Darwin?
Para Darwin, igual em importância à seleção natural estava o conceito da árvore da vida. E ela está sob forte ataque. O ataque não parte do criacionismo, o movimento que repudia a seleção natural e defende a interpretação literal da origem bíblica do homem. Ele parte de um grande número de cientistas.
A árvore da vida surgiu em 1837. Fazia dez meses que o jovem naturalista Charles Robert Darwin, de 28 anos, retornara de uma viagem de cinco anos pelo mundo a bordo do brigue Beagle, onde reuniu uma enorme coleção de animais, plantas, fósseis e insetos. Era julho. Darwin trabalhava em sua casa quando teve uma faísca. Em uma página de seu caderno de anotações, escreveu: “Eu acho”. Logo abaixo, fez o rascunho da árvore da vida. Foi a primeira vez que usou o conceito da árvore evolucionária para explicar as relações entre as espécies. Darwin percebeu que as dezenas de milhões de espécies que habitam ou habitaram o planeta descenderiam de um antigo Ancestral Universal Comum, que ficaria na base da árvore. Dele desponta um tronco, que se divide e vai criando ramificações. Cada ramo representa uma espécie. Quando ele se bifurca, surgem novas espécies.
“Sob a figura de uma grande árvore (...) os ramos e gomos representam as espécies existentes; os ramos produzidos nos anos precedentes representam a longa sucessão das espécies extintas”, escreveu Darwin, em A origem das espécies. Desde sua publicação, a árvore da vida é o princípio unificador da história da vida. Por 150 anos, biólogos e paleontólogos preenchem sua copa, identificando os seres vivos e extintos de cada ramo. Um exemplo é a linhagem humana. Apesar de o Homem de Neanderthal ter sido achado na Alemanha, em 1856, Darwin levou em conta a semelhança entre homens e chimpanzés para propor, em A descendência do homem (1871), que a origem do Homo sapiens devia estar na África. No século XX, uma dezena de ancestrais do homem foi desenterrada na África. A mais famosa é Lucy, a fêmea da espécie Australopithecus afarensis. Achada na Etiópia, em 1974, Lucy viveu há 3,5 milhões de anos.
Quando os cientistas investigaram a evolução por meio da genética, perceberam que a árvore da vida era uma teia, a teia da vida
É extraordinário que Darwin tenha intuído o mecanismo da seleção natural sem ter a menor ideia de como os pais transmitem aos filhos as características que garantem a sobrevivência de uma espécie. Ele não conheceu as pesquisas genéticas de seu contemporâneo, o monge austríaco Gregor Mendel. Nunca ouviu a palavra gene, criada em 1905, nem sabia do DNA, o responsável pela transmissão genética, descoberto em 1953.
Nos anos 1990, passou a ser possível investigar a evolução no nível dos genes. Aí as coisas se complicaram. A comparação dos genomas do homem com os do chimpanzé mostrou que 98,5% dos genes são idênticos, como seria esperado em duas espécies que se separaram, na árvore da vida, há tão pouco tempo. Mas como explicar a existência de trechos de DNA de cobra no genoma do gado? Bois são mamíferos e cobras répteis. Mamíferos e répteis, descendentes de um mesmo ancestral anfíbio, trilharam caminhos separados há 250 milhões de anos. Outros estudos revelaram anomalias parecidas em plantas, insetos e peixes. Havia algo de podre no reino evolutivo. 

Fonte: Revista Época

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

CRONOGRAMA DA DISCIPLINA



Dia/Mês    Assuntos Envolvidos
                 
12/12        Apresentação do plano da disciplina
13/12        Atividade 1
19/12        História do pensamento evolutivo
20/12        Filme 1: A perigosa ideia de Darwin (2h)
09/01        Genética Molecular e Mendeliana
10/01        Evidências da evolução
16/01        Seleção Natural e Variação/ A Teoria da Seleção Natural
23/01        Filme 2: Grandes mutações (1h)
24/01        Eventos aleatórios na Genética de Populações/ A seleção natural e a deriva genética
30/01        Filme 3: Extinção (1h)
31/01        Genética de populações para dois e múltiplos locos/ Genética quantitativa
06/02        Adaptação
07/02        Adaptações na reprodução sexuada
20/02        Filme 4: O porquê do sexo (1h)
21/02        1ª AVALIAÇÃO
27/02        Evolução humana
28/02        Coleção como nos tornamos humanos
06/03        Coleção como nos tornamos humanos
07/03        Conceitos de espécie e variação intraespecífica
13/03        Especiação
14/03        Filogenia, Classificação e Biogeografia
20/03        Macroevolução
21/03        Padrões evolutivos
27/03        Interação entre espécies
03/04        Filme 5: A corrida das espécies (1h)
04/04        Filme 6: O Big Bang da mente
10/04        Filme 7: Ciência e Religião
11/04        Perspectivas para o futuro/ Revisão
17/04        2ª AVALIAÇÃO
18/04        2ª Chamada
24/04        Revisão
25/04        Prova final

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Piadas sobre Evolução

Evolução das espécies

Redação Super Interessante, 29 de maio de 2007
Até mesmo a Teoria da Evolução rende piadas na internet. Confira.


Darwin: A Evolução de um homem

Ele nunca teve um diploma universitário, mas o gosto pela natureza levou-o a uma verdadeira revolução no conhecimento humano. Sempre devagar, como as espécies que descreveu

por Norton Godoy

Charles Darwin, o único e aristocrático passageiro do HMS Beagle (His Majesty’s Ship Beagte), teve uma feliz e venturosa estada nas ilhas Galápagos ao largo do Equador, no oceano Pacífico, naquele longínquo ano de 1835. Foram quatro semanas de muito sol, passeios de barco pelas praias e enseadas, incursões pelas ilhas, onde a insaciável curiosidade do naturalista amador se deliciou observando e colecionando fantásticos espécimes animais e vegetais. Uma tarde, caminhando pela ilha Charles, surpreendeu-se com a declaração do governador Nicholas Lawson de que seria capaz de dizer exatamente de qual ilha provinha cada uma das inumeráveis tartarugas que encontravam pelo caminho.
"Está sugerindo que cada ilha produz seu tipo especial de tartaruga?", perguntou Darwin. O governador não tinha dúvidas, pois há mais de ano aprendera a identificá-las observando as carapaças, com os gomos mais altos ou mais baixos, a espessura, o colorido, o comprimento do pescoço e das pernas Abismado Darwin perguntou se o governador sabia por que isso acontecia. "Só sei o que os meus olhos me dizem", ou como resposta.
Os olhos do próprio Darwin já haviam visto algo parecido, ali mesmo nas ilhas Galápagos. Ele observara que os tentilhões, pequenos pássaros que lá existem aos milhares, tinham bicos diferentes, maiores ou menores, conforme fosse a ilha de origem. Assim, de observações quase casuais de um leigo, surgiu a idéia que, devida mente ordenada e desenvolvida, produziu uma das mais extraordinárias revoluções na história do conhecimento humano: a teoria da evolução das espécies pela seleção natural. Nesse trabalho, pode-se considerar a evolução como um fato experimentalmente comprovado como atestam as tartarugas e os tentilhões e milhares de outras espécies observadas. A seleção natural é uma teoria que explica os mecanismos pelos quais se produz a evolução.
Muitos anos depois de seu veraneio nas Galápagos, quando sua teoria já estava solidamente reconhecida pelo mundo científico, Darwin escreveu: "Tenho dois objetivos distintos em vista: primeiro, mostrar que as espécies não têm sido criadas separadamente; e, segundo, que a seleção natural tem sido o agente principal das mudanças (...). Se eu estiver enganado (...), se houver exagerado no poder da seleção natural (...), terei, pelo menos, prestado um bom serviço ajudando a derrubar o dogma da criação separada".
Por essas palavras, percebe-se que ele não pretendia ser um revolucionário. Na verdade, foi um tímido inglês interiorano, de idéias liberais, que desde criança cultivou o hábito de colecionar besouros, o que se transformou numa obsessão. Nasceu em Shrewsbury, Inglaterra, no dia 12 de fevereiro de 1809. Até a adolescência não apresentou nenhum traço especial de genialidade ao contrário, como parece ser regra nas biografias de grandes cientistas, seu pai chegou a temer que ele não fosse capaz de nada além de caçar ratos e besouros e, assim, fatalmente, desgraçaria o bom nome da família.
Tornou-se um hábil caçador e isso o levou a uma investigação acurada dos hábitos dos pássaros e animais em geral. Mas logo perdeu o gosto pelos tiros de caçador, e explicou: "Descobri, ainda que inconscientemente, que o prazer de observar e refletir era muito mais compensador do que a perícia da caça como esporte. Os instintos primitivos do bárbaro lentamente se transformaram no paladar de um homem civilizado".
Na Universidade de Edimburgo, onde foi estudar Medicina para seguir os passos do pai e do avô, Darwin descobriu que não tinha nascido para isso ao experimentar a para ele terrível sensação de operar um doente sem anestesia. E fez, então, uma descoberta tranqüilizadora: "Em Edimburgo me convenci de que meu pai iria me deixar propriedades suficientes para eu sobreviver com algum conforto, embora não fizesse idéia de quão rico eu era. Foi o suficiente para me tranqüilizar a respeito da minha incapacidade para aprender a Medicina".
De fato, Darwin nunca precisou trabalhar para garantir o próprio sustento, embora não se possa dizer que tenha sido um ocioso. Reconhecida sua incompatibilidade com a Medicina, o pai sugeriu que ele se dedicasse à Igreja Anglicana. E assim, no outono de 1827, Charles Darwin entrou para o Christ’s College, em Cambridge, acalentando a vaga idéia de que seria agradável ser um pároco do interior. Nem ele mesmo podia imaginar, àquela altura, que seria responsável pela demolição de alguns dos mais formidáveis dogmas da Igreja. Mas é certo que desde então se aborreceu com os ensinamentos que recebia.
Não era para menos. Segundo ele mesmo contou mais tarde, teve de aprender que a Terra foi criada às 9 horas do dia 23 de outubro de 4004 a.C.; que todas as espécies animais haviam sido produzidas ao longo dos seis dias da Criação; e que jamais haviam sofrido mudança em suas características originais. A data da criação do mundo havia sido fixada no trabalho conjunto do arcebispo de Armagh, James Ussher, e do eminente estudioso da religião hebraica John Lightfoot, publicado no final do século XVII. Um disparate, sem dúvida, mas na época aceito sem discussões. Muitos anos mais tarde, quando Darwin já publicara sua teoria revolucionária, seu companheiro de viagem no Beagle, o capitão Robert Fitzroy, ainda explicava a extinção de algumas espécies, evidenciada pelos fósseis descobertos no fundo da Terra, dizendo que esses animais simplesmente não haviam chegado a tempo para embarcar na arca de Noé.
Tais dogmas, no entanto, já estavam sendo contestados pela ciência. No final do século XVIII, o escocês James Hutton lançara as bases de uma nova Geologia Seu discípulo Charles Lyell continuou a desenvolvê-la no século XIX e mostrou que a Terra sofrera lentos e constantes processos de formação. E não apenas tais processos haviam consumido um tempo longuíssimo, mas continuavam a se produzir, interminavelmente. Começou-se a admitir, então, que o mundo era muito mais antigo do que se supunha. Um passo adiante já estava a convicção de que as espécies animais também eram antigas e também evoluíram ao longo desse tempo.
Outros cientistas já haviam se aproximado dessa idéia, antes que Darwin o fizesse. Seu próprio avô, Erasmus, médico, poeta e filósofo. Outro foi o francês JeanBaptiste de Lamarck, que publicou sua teoria no ano em que Darwin nasceu, 1809. Lamarck, porém, errou ao acreditar que a evolução ocorrera porque as características adquiridas durante a vida do animal eram transmitidas aos descendentes. Se isso fosse verdade, significaria que a girafa tem pescoço comprido porque seus ancestrais viviam esticando o pescoço para alcançar os galhos mais altos das árvores.
Charles Darwin desenvolveu sua paixão pela natureza encorajado por um professor, J.S. Henslow. Nunca foi um estudante brilhante, mas tinha imensa curiosidade. Foi uma sugestão e uma recomendação de Henslow, aliadas ao fato de ser um perfeito gentleman, que lhe asseguraram um lugar a bordo do Beagle. A tarefa do capitão Fitzroy era mapear mares e costas ainda pouco conhecidos pela Marinha britânica. A viagem devia durar três anos na verdade, durou cinco. Preso aos rígidos regulamentos da Marinha, o capitão não podia conversar com os subordinados fora das horas de trabalho. Como não havia passageiros no Beagle, significava que ele teria de fazer todas as refeições sozinho.
Darwin foi incorporado à tripulação como naturalista, embora não tivesse qualificação acadêmica para isso quando muito, era um diletante aplicado. Seu dever era mesmo fazer companhia ao capitão, e ele o cumpriu fielmente, embora em muitos momentos lhe tenha sido penoso suportar a conversa de uma pessoa autoritária, com quem não tinha nenhuma afinidade intelectual ou política (o capitão era um torie, conservador, e Darwin um whig, ou liberal). Quem pode imaginar o que tenham representado cinco anos de almoços e jantares a dois, nessas condições?
Zarparam dois dias depois do Natal de 1831. Passaram pelas ilhas Ocidentais, contornaram o extremo sul da América do Sul, passaram pelas Galápagos, chegaram à Austrália, seguiram para o sul da África, tocaram outra vez na América do Sul (Bahia) e voltaram para a Inglaterra. Darwin cumpriu zelosamente seus deveres de gentleman, mas aproveitou cada parada do navio para coletar quanto material pudesse rochas, fósseis, aves, insetos e até animais de grande porte, que ele próprio empalhava; era um exímio taxidermista. De cada porto, despachava pacotes e pacotes para Henslow, na Inglaterra, encarregado de cuidar de sua coleção de naturalista. E ainda encontrou tempo para escrever um diário.
Quando desembarcou, no dia 2 de outubro de 1 836 estava convencido de que as espécies animais sofrem mutações, se transformam. O problema era explicar como isso acontecia. Seis meses depois havia classificado todo o material coletado durante a viagem, com a ajuda de Richard Owen. Preparou a publicação oficial Zoologia da viagem do Beagle, do diário e de três outros livros. E só em 1837 começou as anotações para o seu trabalho sobre a transmutação das espécies. Persistia, porém, o mistério como ocorrem as transformações?
Darwin estava casado com Ema, com quem teria dez filhos, continuava a escrever um diário e nele, supõem seus biógrafos, anotava disfarçadamente todas as relações sexuais que mantinha com a mulher. Coisas de gentleman da rígida era vitoriana. No dia 3 de outubro de 1838, lendo "para me distrair" um livro sobre população de Thomas Malthus (1766 - 1834), encontrou a afirmação de que as populações tendem a crescer geometricamente, a menos que sejam impedidas. Percebeu, então, que ali estava sua resposta: as alterações que favoreciam um indivíduo permitiam que ele prosperasse, enquanto os outros não beneficiados pela mudança pereciam. Uma sutil e fundamental diferença para a teoria de Lamarck. Não é que as girafas fossem ficando com o pescoço cada vez mais comprido pela necessidade de alcançar os galhos mais altos das árvores, mas a necessidade de alcançar os galhos mais altos fazia com que só sobrevivessem as girafas de pescoço mais comprido.
Animais ainda quando da mesma espécie, são diferentes de indivíduo para indivíduo. Como os homens— há os de nariz comprido, de olhos tortos, pernas curtas ou longas, capazes de correr menos ou mais depressa, e por ai vai. Essas diferenças se transmitem geneticamente, através de mecanismos que só seriam devidamente explicados muito tempo depois. Darwin, no entanto, intuiu o caminho certo com notável precisão.
Um ano antes ele publicara A transmutação das espécies, em que aludia às mudanças que ocorrem, mas não arriscava explicação para elas. Mais de vinte anos passaram entre o desembarque do Beagle, o inicio das anotações e a publicação de Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural, sua obra máxima. E ela só foi publicada porque em 1858 ele recebeu uma carta de outro naturalista inglês, Alfred Russel Wallace, que, ao longo de uma expedição à ilha de Ternate, nas Molucas, havia feito observações semelhantes às de Darwin e chegado às mesmas conclusões.
E assim aconteceu que a teoria da seleção natural chegou à Linnaean Society, a sociedade dos naturalistas ingleses, com um co-autor. Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural chegou às livrarias no dia 24 de novembro de 1859. Eram 1.250 exemplares de 502 páginas e foram todos vendidos no mesmo dia. Darwin demonstrou ali como, por meio de adaptação lenta, extremamente gradual, e de alterações produzidas de geração em geração, uma espécie podia produzir indivíduos diversificados. E como, com a passagem do tempo, algumas espécies permaneciam iguais e outras se transformavam. Tudo sob a regência da seleção natural quem estivesse mais adaptado ao ambiente sobreviveria. Um quadro de progressão de complexidade biológica que culminou no homem, o mais sofisticado de todos os organismos.
Darwin jamais usou a palavra evolução, que logo passou a caracterizar e dar nome à sua teoria e sobre a posição do homem nesse painel limitou se a um comentário sobre a muita luz que no futuro ainda seria derramada sobre a questão. Muitos anos mais tarde ele voltaria a esse assunto no livro A descendência do homem e seleção em relação ao sexo. Mas em 1859 o cuidado de pouco adiantou: uma tempestade desabou sobre ele, pois sua teoria levava à demolição de algumas precisas construções religiosas sobre a criação do mundo e dos seres que nele vivem, feitas pela Igreja.
Foram anos de ferozes debates. Os principais adversários de Darwin foram seu antigo companheiro Richard Owen, o bispo de Oxford, Samuel Wilberforce, o escritor Edmund Gosse. Grandes defensores foram Charles Lyell, Joseph Hooker e Thomas Henry Huxley, considerado na época o melhor geólogo, o melhor botânico e o melhor zoólogo da Inglaterra. O próprio Darwin pouco apareceu, mas Huxley envolveu-se em discussões públicas que se tornaram célebres. Como, por exemplo o debate travado com o bispo Wilberforce. em 1860, diante de setecentos estudantes que lotavam o auditório da Sociedade Britânica para o Progresso da Ciência, em Oxford.
Charles Darwin deixou uma obra muito extensa, embora, desde o final da viagem no Beagle, tivesse uma saúde muito frágil—suspeitasse mesmo que durante 2.sua estada no Brasil.2 tenha adquirido a doença de Chagas. Tudo na natureza o interessou muito. Seu escritório, no terceiro andar de sua casa, Dow House, além de livros continha frascos com exemplares das mais variadas espécies animais e vegetais. Apesar da campanha severa que a Igreja fez contra suas idéias, acabou sepultado na abadia de Westminster, ao lado de Isaac Newton, em 19 de abril de 1882, aos 73 anos. Depois do enterro, seu filho William comentou: "Você pode imaginar que conversas deliciosas o pai e Sir Isaac vão ter de noite, depois que a abadia fechar e tudo ficar quieto?"


Para saber mais:

Toda a vida do mundo
(SUPER número 7, ano 4)

Todos parentes
(SUPER número 3, ano 7)

O menino de Turkana
(SUPER número 10, ano 7)



Sempre à margem da política
A importância da obra científica de Darwin é definida em quatro pontos pelo antropólogo queniano Richard Leakey. Primeiro, ele viu o mundo vivo como mutável, e não estático, como se acreditava em seu tempo; segundo, propôs a idéia da descendência comum para os membros da mesma espécie (por isso nunca disse, como se acredita erroneamente, que o homem descende do macaco; homens e macacos são ramos diferentes de uma mesma espécie, os mamíferos, que têm, todos, um ancestral comum); terceiro, ele acreditava que o processo de mutação era lento e gradual (hoje há cientistas questionando essa idéia, dadas as descobertas de evidência do surgimento de novas espécies quase que de repente); e quarto, estabeleceu que o mecanismo da mudança era a seleção natural.
Hoje sabemos que a variação ocorre em nível molecular. As características se transmitem dos pais aos filhos por unidades químicas que chamamos genes. A variação é, em grande parte, produto de uma recombinação de genes, quando se unem as instruções genéticas do pai e da mãe. A seleção natural apenas favorece os animais mais bem adaptados ao ambiente onde vão viver. Devido à variação, alguns indivíduos dentro de uma espécie são mais capazes que outros de sobreviver e, portanto, de procriar.
Houve quem tentasse levar para a política essa explicação da organização do mundo animal. Na verdade, a expressão "sobrevivência do mais apto" foi cunhada pelo filósofo inglês Herbert Spencer. Tentava-se usar as leis da Biologia enunciadas por Darwin para explicar e justificar a sociedade estratificada produzida, na época, pelo capitalismo industrial. Certamente, não foi culpa dele: politicamente, era um liberal, e todo seu trabalho científico levou-o a uma sólida convicção filosófica materialista de que ele jamais fez alarde.
Karl Marx, então empenhado como nunca na construção de suas doutrinas políticas, econômicas e filosóficas, vislumbrou isso em seus escritos e tentou, mais de uma vez, aproximar-se dele e, quem sabe, cooptá-lo para sua causa. Darwin sempre se esquivou—e polidamente recusou até mesmo a dedicatória que Marx pretendeu lhe fazer, no segundo volume de O capital. Mas não pôde impedir que ele escrevesse: "E notável como Darwin reconhece entre os animais e plantas sua sociedade inglesa, com sua divisão de trabalho, competição; abertura de novos mercados, invenções e uma malthusiana luta pela existência".


O Brasil era lindo mas os brasileiros...
Ao anoitecer do dia 4 de abril de 1832, o Beagle entrou na baia do Rio de Janeiro, então uma base da Marinha Real Britânica e por isso repleta de navios de guerra. Darwin anotou: "É a baía mais bela que o mundo e a Geologia poderiam apresentar, com a massa do Pão de Açúcar se destacando contra o céu límpido da noite . Do porto, ele e o artista de bordo, Augustus Earle, andaram 6 quilômetros por uma estrada de terra, ao longo do litoral, para chegar a Botafogo, onde ficaram hospedados durante as onze semanas que o Beagle ficou na cidade.
Era uma casa de madeira, pintada de cinza-pérola, varandas com telas nos três lados, uma sala modesta, três dormitórios com catre, mesa, cadeira. Do refeitório, num alpendre nos fundos, os hóspedes viam o morro do Corcovado, cujos 612 metros escalaram, seguindo pelo aqueduto que exista na época. Pagaram aos proprietários da casa, senhor e senhora Bolga, ingleses como eles, 22 shillings por semana, "um bom preço", segundo Darwin.
Seu primeiro contato com a sociedade carioca da época, formada basicamente por estrangeiros, foi num restaurante movimentado, "onde se podia beber uma aguardente gostosa e onde havia homens de negócios britânicos e americanos. cônsules de vários países, oficiais da Marinha e viajantes". Dias depois, Patrick Lennon, proprietário de terras em Macaé, levou Darwin até lá. Foi uma cansativa viagem a cavalo, sob um calor de 35 graus. O que mais encantou o naturalista foi a variedade da vegetação, multicolorida, e dos animais. "Era uma tarefa gigantesca descrever, classificar, catalogar, dissecar, espetar, preservar tudo o que colhi, entre animais, vegetais e minerais", ele anotou no diário.
Sua estada no Rio, no entanto, não foi dedicada apenas ao trabalho de naturalista. Levado pelo capitão Fitzroy, a quem devia fazer sempre companhia, Darwin freqüentou a noite carioca. Jantou na casa do ministro plenipotenciário inglês e foi várias vezes convidado para jantar na casa do almirante Thomas Baker, comandante-e-chefe inglês no Rio de Janeiro. Assistiu a um concerto de piano na casa do adido britânico, que lhe garantiu que se permanecesse mais algum tempo na cidade certamente ganharia um bom emprego e uma bela moça de família rica em casamento.
Apesar de ter gostado daquele período e ter admirado bastante a paisagem, a flora e a fauna do pais, Darwin anotou em seu diário que não sentia amizade pelos brasileiros. Cenas de violências contra escravos que presenciou não apenas no Rio mas também em Salvador e no Recife, onde o Beagle passou mais tarde, fizeram-lhe "ferver o sangue nas veias".

Fonte: Super Interessante

 

Evolução: Homo sapiens 2.0

Viemos dos macacos, mas para onde vamos? Ainda estamos evoluindo? Que tipo de bicho seremos no futuro?

por Tiago Cordeiro

 

Qual é o futuro da evolução humana? O zoólogo britânico Richard Dawkins costuma dizer que essa é a pergunta mais feita a todo especialista em evolução, e é aquela que os mais sensatos sempre evitam responder. Desde a década de 1940, uma saída alternativa era simplesmente negar que o ser humano continua evoluindo. A sombra dos experimentos envolvendo eugenia durante a 2ª Guerra ainda pairava sobre os cientistas, e havia evidências de que nossa espécie teria parado no tempo há aproximadamente 50 mil anos. Mas essa é uma posição cada vez mais difícil de sustentar. “É claro que estamos evoluindo. Todos os seres vivos evoluem, mas alguns mais devagar e nem sempre no sentido de melhorar as condições de competição diante da seleção natural”, diz o filósofo americano Daniel Dennett, diretor do Centro de Estudos Cognitivos da Tufs University. Em março deste ano, uma equipe liderada pelo biólogo americano Jonathan Pritchard, da Universidade de Chicago, anunciou a descoberta de mais de 700 genes que sofreram seleção natural entre 6 mil e 10 mil anos atrás – entre eles, genes que definem a pigmentação da pele, a formação de pêlos e o metabolismo. Portanto, estamos mesmo evoluindo, e está cada vez mais difícil seguir a dica de Dawkins de não discutir o futuro.
Animais domesticados
A evolução depende basicamente de 3 fatores: a mutação, que cria a variedade; a seleção natural, que direciona qual tipo de variedade vai sobreviver; e os fatos que são impossíveis de serem previstos. “A mutação e a seleção são um pouco mais previsíveis, mas a contingência histórica pode mudar tudo, e muito rápido. Foi graças a ela que os grandes répteis perderam a hegemonia do planeta para os grandes mamíferos”, diz a geneticista Maria Cátira Bortoloni, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Nos últimos séculos, o ser humano criou mecanismos para minimizar os efeitos de um desses fatores, a seleção natural. Nos últimos 150 mil anos, por causa das mudanças de estilo de vida e de alimentação, ganhamos pernas mais compridas, braços mais curtos, cabeças maiores e menos pêlos no corpo. Também ficamos mais altos – os homens americanos são hoje 7,5 centímetros mais altos do que os seus bisavós eram há 100 anos. Além disso, nos tornamos fisicamente mais fracos. “A mutação que provocou a atrofia de um dos músculos que sustentam a mandíbula se mostrou positiva. Isso acabou gerando o relaxamento da caixa craniana”, diz Maria Cátira. Nos próximos séculos, essas mudanças tendem a continuar. Em muitos aspectos, os seres humanos se tornaram animais domésticos. Ao diminuir a força da seleção natural e reforçar o poder da seleção artificial, perdemos grande parte da nossa capacidade auditiva. Quanto ao nosso peso, há controvérsias. O mundo desenvolvido está mais gordo, e toda modelo que passa fome por causa do trabalho luta contra uma necessidade ancestral de acumular gordura para encarar períodos de alimentação escassa. Há quem aposte que, num futuro distante, as pessoas mais magras vão viver e procriar mais do que as gordas, até que essa tendência gordurosa não seja mais dominante. De fato, a pesquisa do grupo de Jonathan Pritchard identificou uma mudança em genes envolvendo o metabolismo de carboidratos e a regulação da camada adiposa no organismo.
Corpo fechado?
Há 50 mil anos, quando os homens ainda caçavam para comer, as chances de sobrevivência de uma pessoa míope seriam mínimas. Hoje, essa mesma pessoa cresce e se reproduz sem grandes problemas. Parte dos cientistas usa exemplos como esse para apostar que, no futuro, seremos cada vez mais frágeis – afinal, do ponto de vista biológico, o que interessa é alcançar a idade de reprodução. Quanto e como vivemos depois disso interfere pouco na seleção natural. Desde que se tornou uma meca dos equipamentos de informática, a região do Vale do Silício, na Califórnia, experimentou um grande aumento do número de habitantes autistas. “Eles se mostraram competentes para lidar com computadores. Como têm uma carreira, acabam conhecendo outras pessoas no trabalho, casam-se mais e se reproduzem. Esse é um forte indício de que os genes de praticamente todos nós estão chegando à próxima geração, e não só aqueles mais bem adaptados ao meio ambiente”, diz a antropóloga Kristin Nicole Harper, da Emory University, em Atlanta. Claro que esse processo é mais forte nos países desenvolvidos, onde as condições de higiene são melhores e o atendimento hospitalar de qualidade atende um maior número de pessoas. Em outros lugares, diz a professora, a seleção natural ainda tende a avançar com mais força. “Na África, a tendência é que, dentro de algumas centenas de anos, todos tenham resistência a aids. Foi o que aconteceu entre os chimpanzés, que provavelmente sofreram com mortes maciças até que uma pequena parcela adquiriu imunidade e começou a se reproduzir.” De olho na engenharia genética, outros cientistas apontam para uma tendência contrária: quando os pais forem capazes de escolher as características dos filhos antes do nascimento, as novas gerações serão mais fortes, mais inteligentes e mais resistentes a doenças. Já existem no mundo 3 milhões de crianças nascidas por fertilização in vitro. Centenas dessas crianças foram criadas depois de um processo de seleção genética, um diagnóstico que garantiu que elas não teriam deformidades ou doenças graves. Hoje é possível escolher o sexo do filho – estima-se que, nos EUA, 2 mil casais já tenham feito isso – e diminuir os riscos de que eles desenvolvam mal de Alzheimer ou artrite.
Planeta Brasil
A miscigenação existe desde que o Homo sapiens surgiu na África e se espalhou pelo mundo – não fosse assim, nesses 200 mil anos de história, já teríamos nos dividido em várias espécies diferentes. Mas as últimas 3 gerações experimentaram uma miscigenação ainda maior. “As pessoas estão se casando hoje com mulheres que eles encontraram muito mais longe do lugar onde nasceram do que antigamente. Essa grande mistura de genes vai produzir uma população mundial com uma cor de pele muito parecida e próxima do marrom”, diz o biólogo Peter Ward, da Universidade de Washington. Nem todo mundo pensa assim. Maria Cátira Bortoloni acredita que a tendência é que um número cada vez maior de países, principalmente no Ocidente, experimente uma miscigenação muito parecida com a que o nosso país viveu nos últimos 500 anos. “O Brasil passou por um processo civilizatório muito complexo, até se tornar uma nação em que populações de origens completamente diferentes se misturam. Algo possível pode acontecer no restante do mundo. O mais provável não é o surgimento de um único tipo físico, mas a coexistência, no mesmo espaço, de pessoas de cores de pele, olhos e cabelo diferentes”, ela argumenta. A pesquisa de Pritchard reforça a tese da professora. Ele percebeu que nem todas as mudanças genéticas acontecem simetricamente em diferentes grupos étnicos. Entre os habitantes europeus, foram identificados 4 genes dominantes ligados à pigmentação mais clara da pele. Tanto europeus quanto asiáticos estão sofrendo mutações em um gene que impede a má formação dos ossos, enquanto a população da Nigéria é a que mais experimenta uma diminuição na quantidade de pêlos do corpo. Só em dois aspectos todas as populações analisadas estão evoluindo juntas: a regulação do metabolismo e o desenvolvimento do cérebro.
Inteligência crescente
Há 2 milhões de anos, a caixa craniana dos hominídeos começou a crescer rapidamente, até que surgisse o cérebro, a mais eficiente e complexa estrutura de que se tem notícia. Existem indícios de que esse processo continua acontecendo. Pesquisa do geneticista Bruce Lahn, da Universidade de Chicago, aponta que dois genes que influenciam o tamanho e a complexidade do cérebro continuam sofrendo mutações – há registros de variações tão recentes quanto 5 800 anos. “Se nossa espécie sobreviver por mais 1 milhão de anos, imagino que nosso cérebro será maior e terá diferenças estruturais significativas. As mutações que favorecem o maior desenvolvimento da inteligência são visivelmente favorecidas pela seleção”, diz o professor. Michel Hofman, pesquisador do Netherlands Institute for Brain Research, prevê que ainda há espaço para o cérebro humano crescer até 3 vezes mais do que o tamanho atual, antes de começar a perder a eficiência. A partir desse limite, o tamanho superaria a capacidade de estabelecer sinapses rapidamente. “Temos espaço para evoluir bastante em termos de capacidade cerebral, mas só até certo ponto”, aponta o professor Lahn. “Tudo indica que estamos avançando em direção a um aumento das capacidades intelectuais humanas, mas essa evolução não é ilimitada.”

Rumo ao homo machinus

“As próximas gerações do Homo sapiens serão capazes de controlar sua própria evolução. A tecnologia e os avanços da genética vão nos levar a níveis evolutivos nunca vistos no planeta”, diz o matemático inglês Ian Pearson. Para ele, a civilização está para passar por novos estágios evolutivos. “A partir de 2015, os robôs vão se tornar uma nova forma de inteligência, superior à humana. Quando isso acontecer, vamos começar um processo de união do homem com a máquina”, ele prevê. Primeiro, diz Pearson, virá o Homo cyberneticus, formado pela junção do organismo humano com microchips. Depois, chegará o Homo hybridus, com mutações genéticas que facilitem a incorporação de nanotecnologia. Por fim, virá a era do Homo machinus, quando as máquinas farão parte da própria composição do nosso corpo. “Em 2200, nós mesmos seremos capazes de entrar na internet, porque nós e os computadores teremos elementos em comum”.

Vale a pena ler

The Third Chimpanzee: The Evolution and Future of the Human Animal, Jared Diamond, HarperCollins, EUA, 1992
Future Evolution, Peter Ward, W. H. Freeman, EUA, 2001
O Laptop de Leonardo, Ben Shneiderman, Nova Fronteira, Brasil, 2006 

 Fonte: Super Interessante

Teoria da Evolução - Darwin contra-ataca


A Teoria da Evolução acabou de vez com a ideia de que a vida foi criada por intervenção divina. Como a fé em Deus foi capaz de sobreviver?
por Texto Reinaldo José Lopes
No princípio, Deus "não" criou o homem e a mulher - ou, pelo menos, não literalmente. Desde que foi formulada, em 1859, quando o naturalista britânico Charles Robert Darwin publicou A Origem das Espécies, a Teoria da Evolução jogou por terra a tese de que a vida precisou de intervenção divina para existir. A "perigosa ideia de Darwin", como a apelidou o filósofo americano Daniel Dennett, também pôs em dúvida outro conceito importante para muitas religiões: o suposto status especial do homem perante os demais seres vivos.

A maioria dos biólogos evolutivos - aqueles que estudam a origem e a evolução dos seres vivos - afirma que somos apenas mais uma espécie animal, com uma diferença decisiva em relação às outras: tivemos a sorte de desenvolver nossa capacidade mental, característica que fez do homem o mamífero de grande porte mais numeroso e bem-sucedido da Terra. Dá para conciliar esse fato com a afirmação de que fomos criados "à imagem e semelhança" de um Deus?

As respostas para essa pergunta complicadíssima variaram um bocado ao longo dos últimos 150 anos. Algumas das denominações cristãs mais antigas, como a Igreja Católica e a Igreja Anglicana, acabaram decidindo que não dava para brigar com as descobertas feitas pela biologia evolutiva e passaram a interpretar os relatos da Bíblia sobre a criação do mundo como textos poéticos e alegóricos. Mas outros grupos, como as denominações evangélicas surgidas do século 19 em diante, insistiram na verdade literal das Escrituras Sagradas, considerando-as fontes confiáveis não só para temas espirituais mas também científicos. Estava aberta, portanto, a rota de colisão entre Igreja e ciência?

A preocupação dos que queriam negar a teoria evolutiva de Darwin tinha a ver, pelo menos em parte, com a questão da autoridade da Bíblia: para eles, qualquer dúvida sobre a exatidão dos textos sagrados abriria brechas para questionamentos de todos os tipos. Muito mais complicado que isso, no entanto, era conciliar a evolução com alguns aspectos essenciais da teologia cristã tradicional. O mais importante deles envolve o conceito de pecado original.

Até quem nunca abriu uma Bíblia na vida conhece a clássica história do fruto proibido comido por Adão e Eva no jardim do Éden, instigados pela maliciosa serpente. A interpretação tradicional dessa narrativa, elaborada principalmente por são Paulo e santo Agostinho, afirma que esse primeiro ato de desobediência teria marcado os descendentes de Adão e Eva com o pecado. Dali em diante, todos seriam inerentemente pecadores. A transgressão no paraíso também teria introduzido a mortalidade no mundo - antes disso, os seres vivos seriam imortais por natureza. A morte de Jesus teria tido como principal propósito resgatar a humanidade desse estado de escravidão em relação ao mal.

Ora, se o primeiro casal nunca existiu, e se a morte nos acompanha desde a origem, o sacrifício de Jesus aparentemente perde o sentido. E pior: Deus teria criado um Universo cheio de sofrimento e dor. São esses os raciocínios mais temidos pelos que se opõem à Teoria da Evolução.

O movimento criacionista (dos que acreditam na criação divina) surgiu no começo do século 20, nos EUA, como forma de combater o evolucionismo. Ele se divide em dois grupos: os defensores do Criacionismo da Terra Jovem e os que seguem o Criacionismo da Terra Antiga. Os primeiros acreditam que nosso planeta tem apenas alguns milhares de anos de idade e que o Universo foi criado em 7 dias por Deus. Para eles, erros de interpretação levaram os cientistas a acreditar que o cosmos tem bilhões de anos.

Já os da Terra Antiga, como o próprio nome indica, aceitam as datas propostas pelos pesquisadores seculares, mas negam o processo evolutivo. No máximo, admitem a chamada "microevolução" - adaptações sutis em alguns seres vivos ao longo do tempo, como mudanças na cor da pele de uma raposa ou no comprimento do bico de uma ave. Nada, no entanto, que possa explicar a transformação de um mamífero terrestre numa baleia, como propõem os darwinistas.

A partir do final dos anos 80, os criacionistas adotaram uma nova estratégia, o chamado Movimento do Design Inteligente - financiado pela organização conservadora Discovery Institute. Seus integrantes argumentam que algumas características dos seres vivos (como o sistema de armazenamento de informações no DNA) são tão complexas que precisariam ter sido projetadas por um "designer inteligente". Abertamente, eles não discutem a identidade desse designer cósmico - poderia ser um alienígena, por exemplo. Mas quase todos os defensores da tese são cristãos evangélicos para lá de fervorosos.

Há também quem acredite no chamado evolucionismo teísta - a ideia de que a evolução foi o mecanismo empregado por Deus para criar a vida e os seres humanos. O principal representante dessa vertente talvez seja o geneticista americano Francis Collins, ex-coordenador do Projeto Genoma (leia mais na pág. 40).

Collins vê Deus como uma força externa ao espaço e ao tempo, cuja ação criou o Universo seguindo leis determinadas. O surgimento dos seres humanos seria resultado dessas leis divinas agindo por meio de processos naturais. Desse ponto de vista - e desde que certos detalhes da teologia sejam desconsiderados -, a conciliação entre fé e teoria evolutiva acaba se tornando possível.


Crítico moderado
Darwin deixou de acreditar em Deus, mas não via em sua teoria uma arma contra a fé
"Não vejo razão para que as opiniões expostas neste volume choquem os sentimentos religiosos de qualquer pessoa." A citação vem da 6ª edição de A Origem das Espécies, livro com o qual Charles Darwin inventou a biologia evolutiva. O naturalista britânico tinha uma visão bem mais moderada da religião do que a defendida por alguns de seus seguidores modernos. Ele deixou de acreditar em Deus, mas não via motivo para que sua teoria fosse usada como arma contra a fé. A posição religiosa de Darwin na maturidade era o agnosticismo - ou seja, se considerava incapaz de afirmar se Deus existia ou não. O processo que o conduziu até esse estado foi complexo. Durante a juventude, ele estudou para se tornar pastor da Igreja Anglicana e via a Bíblia como a melhor fonte para decidir o que é certo e errado. Mas algumas tragédias pessoais acabaram afastando-o da fé.
Sofrimento
A primeira dessas tragédias foi a morte de Robert Darwin, pai do naturalista e não crente confesso. Muito triste, Charles se recusou a acreditar que seu genitor, um homem de bom coração, iria para o inferno apenas por não se considerar cristão. "Não consigo imaginar porque alguém iria querer que tal coisa fosse verdade. Essa é uma doutrina deplorável", escreveu em sua autobiografia. Depois, foi a vez de Annie, filha do cientista, que morreu aos 10 anos. Darwin já tinha deixado de frequentar a igreja pouco antes. Com a morte de Annie, abandonou a crença de vez. Pelo visto, o que atormentava o pesquisador era o chamado "problema do sofrimento" - porque um Deus permite a existência do mal no mundo? Certa vez, em carta ao botânico americano Asa Gray, Darwin tentou resumir sua inquietação: "Não consigo me contentar em ver este maravilhoso Universo e concluir que tudo é resultado de força bruta. Sinto que todo esse assunto é profundo demais para o intelecto humano. É como um cão tentando especular sobre a mente de Newton".

Acordo de paz Para o papa João Paulo 2º, a evolução era "mais do que uma mera hipótese"
Em 2008, o Vaticano promoveu uma conferência para discutir o legado de Charles Darwin. E fez questão de lembrar que os livros do naturalista nunca foram oficialmente condenados pela Igreja. Surpresa? Nada disso. Na verdade, faz mais de 50 anos que a Igreja fez as pazes com a Teoria da Evolução. Tudo começou nos anos 50, com declarações do papa Pio 12, um dos mais conservadores da história. Em princípio, disse o pontífice, não haveria problema em imaginar que o corpo humano tivesse evoluído de ancestrais do reino animal. O "processo de paz" continuou com João Paulo 2º. Em 1996, ele reconheceu que a Teoria da Evolução "é mais do que uma mera hipótese" e que tem muitas evidências a seu favor. A opinião foi reiterada por Bento 16 em várias ocasiões.


Para saber mais
• Pilares do Tempo
Stephen Jay Gould, Rocco, 2002.

Fonte: Super Interessante
 



A vida como ela será

Transformações que o homem impôs ao ambiente vão determinar o jogo da evolução nos próximos milhões de anos. Eis o que a ciência diz sobre o futuro da vida sobre a terra.

por Jerônimo Teixeira

Daqui a mais ou menos 1 bilhão de anos, a Terra não será mais habitável. No limite do seu material combustível, o Sol estará se expandindo. A elevação da temperatura no terceiro planeta do sistema solar tornará inviável a sobrevivência de qualquer criatura. Isso significa que a vida em nosso mundo já ultrapassou a meia-idade. Estamos – nós, seres vivos – mais perto do fim que do começo. No tempo que resta, que cara terá a vida sobre a Terra? Que espécies surgirão e quais estarão fadadas a desaparecer na trilha das mudanças evolucionárias? E por quanto tempo ainda viveremos – nós, seres humanos – para presenciar essas mudanças?
Não há resposta segura para tais perguntas. Qualquer cientista criterioso dirá que projeções são quase impossíveis em um processo tão complexo como é a evolução. “É muito difícil fazer predições sobre o futuro evolucionário, porque o processo é multifatorial”, explica Francisco Salzano, professor de genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ou seja, os seres vivos mudam segundo fatores intrínsecos (basicamente, ligados ao seu repertório genético) e extrínsecos (em especial, aqueles relacionados ao meio ambiente). Entre essas duas ordens de fatores, há muito lugar para acidentes imprevisíveis. É o caso, por exemplo, do meteoro que, segundo a hipótese mais aceita, acabou com o reinado dos dinossauros há 65 milhões de anos.
Algumas tendências, no entanto, podem ser identificadas a partir do que vemos acontecer hoje. A principal força evolucionária em ação sobre o planeta atualmente é o ser humano. O homem extermina animais selvagens e cria cada vez mais gado. Devasta florestas inteiras e delimita reservas naturais. Sua habilidade tecnológica e cultural conquistou uma posição virtualmente absoluta sobre as demais espécies. Seus pouquíssimos inimigos naturais não são predadores, mas parasitas que precisam dele para sobreviver e se propagar – basta pensar no rato ou no vírus HIV.
Sobretudo, o ser humano tem colocado em prática uma das mais poderosas forças evolucionárias: a extinção. Nossa breve porém industriosa passagem pela Terra produziu uma lista extensa de perdedores e um seleto grupo de vencedores. É examinando essas duas categorias que podemos descobrir pistas sobre o futuro da evolução no planeta.
Perdedores
Há muitas discrepâncias nos dados sobre taxas de extinção. Na verdade, não há sequer uma estimativa confiável do número de espécies existentes hoje. Registradas e classificadas cientificamente, são cerca de 1,6 milhão. É certo que a variedade biológica do planeta excede bastante esse número modesto. Alguns biólogos falam em até 50 milhões. Outros, mais cautelosos, apresentam estimativas entre cinco ou 15 milhões. Em qualquer caso, podemos estar certos de que muitas espécies estão sendo exterminadas sem nem sequer terem sido estudadas pelos cientistas.
No livro Future Evolution (“Evolução futura”, inédito no Brasil), o paleontólogo Peter Ward, da Universidade de Washington, em Seattle, Estados Unidos, apresenta um apanhado dos diversos cálculos já propostos para aferir a biodiversidade e os perigos que a cercam. É um terreno ainda impreciso, mas uma coisa é certa: a variedade da vida sobre a Terra está diminuindo. De modo geral, os analistas concordam em que pelo menos metade das espécies de hoje já não existirá em 2100. Nem é preciso dizer que o ser humano é o responsável por essas extinções.
A vida selvagem é a grande perdedora. Mesmo que consigamos conservar o pouco que restou de florestas e outros hábitats naturais – o que é muito improvável já que o crescimento populacional tende a exercer uma pressão cada vez maior sobre esses espaços –, em grande parte eles serão museus vivos, reunindo criaturas condenadas. A situação é ainda mais delicada para os animais de grande porte, que precisam de largos espaços para se propagar.
Ward acredita que estamos assistindo apenas ao desfecho de um processo de extinção que começou há pelo menos 50 mil anos. Seria o lance final no desaparecimento dos megamamíferos, que se intensificou principalmente depois do final da Era do Gelo, há cerca de 12 mil anos. Ainda não há consenso sobre a causa dessas extinções. Alguns cientistas acreditam que as mudanças climáticas levaram esses gigantes à morte. Outros atribuem seu desaparecimento às caçadas promovidas por grupos humanos. O que parece certo é que animais da dimensão do mastodonte ou do mamute – parente próximo dos elefantes que conhecemos – não voltarão a caminhar sobre o planeta. Já foi observado que espécies de grande porte nunca surgiram em ilhas. Animais gigantes exigem grandes espaços territoriais para se desenvolverem. As poucas zonas de vida selvagem que ainda subsistem hoje funcionam ecologicamente como ilhas. São pequenas manchas verdes espremidas entre grandes extensões de campos cultivados e cortadas por rodovias.
Muito argumento de filme B morre aqui. Nenhum crocodilo gigantesco vai sair dos canais de esgoto para derrubar prédios e mastigar carros inteiros. Outra fantasia recorrente que carece de fundamento é a do predador de seres humanos. Piranhas aladas e tubarões inteligentes estão condenados desde sempre a subsistir apenas nas telas de cinema. “É muito difícil pensar em um cenário no qual pudesse surgir uma fera que se alimentasse de humanos. Historicamente, o homem tem mostrado grande habilidade para identificar e eliminar opositores”, diz o biólogo Stephen R. Palumbi, professor da Universidade de Stanford, Estados Unidos.
Em seu livro The Evolution Explosion (“A explosão da evolução”, ainda sem tradução no Brasil), Palumbi nota que também os peixes estão se tornando menores devido à ação do homem.
A pesca industrial cada vez mais intensa pode estar selecionando os indivíduos de menor porte, que têm melhores chances de escapar às redes. Será que um dia os mares serão povoados apenas por peixinhos minúsculos? “Essa parece ser a tendência”, afirma Palumbi. Mas o consumo humano não exerce pressão apenas sobre o tamanho dos animais. Velocidade também conta. Arenques e anchovas nadam, comem e se reproduzem rapidamente. São pescados às toneladas, mas a facilidade com que procriam compensa essas perdas. Outro extremo seria representado por alguns peixes de águas profundas. Palumbi fala de uma espécie de perca da costa da Patagônia. Desconhecido até algumas décadas atrás, esse peixe tornou-se muito popular nos restaurantes. O problema é que ele cresce e procria muito devagar. “Hoje em dia, ser um peixe delicioso e lento não é uma boa estratégia evolutiva”, diz Palumbi.
Ganhadores
Grandes extinções, no passado, abriram caminho para que a vida sobre a Terra ganhasse novas e inusitadas configurações. Há 250 milhões de anos, um extermínio em massa marcou o final do período Permiano, acabando com vários gêneros de animais, entre eles os dicinodontes, répteis com certo jeitão de mamíferos. Depois de alguns milhões de anos, novos gêneros emergiram para reclamar seu quinhão. Foi a vez dos répteis. Há 65 milhões de anos, a extinção dos dinossauros marca o final do período Cretáceo. O terreno ficou livre para os mamíferos assumirem como donos do pedaço. Os dois eventos são tão importantes que marcam não apenas o final de períodos, mas de eras geológicas – respectivamente, do Paleozóico e do Mesozóico.
As extinções provocadas pelo homem estarão limpando o campo para novas formas de vida? Norman Myers, biólogo da Universidade de Oxford, Inglaterra, acredita que não: “Sabemos que, depois das extinções em massa do passado pré-histórico, as florestas tropicais foram as grandes ‘casas de força evolucionárias’ – isto é, as regiões que mais rapidamente geraram grande número de espécies de reposição. Dessa vez, parece que nós eliminamos a maior parte, se não a totalidade, dessas casas de força”.
Se as florestas tropicais devastadas não serão mais capazes de repor a biodiversidade perdida, que alternativas restam à evolução? “A seleção natural e a especiação (formação de novas espécies) só podem trabalhar com as populações disponíveis. Se continuarmos no ritmo atual, provavelmente perderemos, num cálculo grosseiro, metade de todas as espécies no futuro próximo e talvez 90% da população das espécies”, complementa Myers.
Qualquer tentativa de projeção evolucionária precisa, portanto, tomar por base as espécies que hoje já se erguem como grandes sobreviventes. Em sua quase totalidade, os vencedores são aqueles que se adaptaram de algum modo à presença humana. No topo da lista estão os animais domesticados e as plantas que cultivamos para nosso consumo. “Mesmo que o ser humano entrasse em extinção hoje – o que não acredito que vá acontecer –, os animais domesticados venceriam. Eles estão aqui para ficar”, aposta Peter Ward. Myers cita, ainda, como mestres da sobrevivência: o rato, o pardal, as moscas e as ervas daninhas. São criaturas que, de uma forma ou de outra, adaptaram-se ao convívio humano. Vivem bem inclusive em ambientes urbanos – basta pensar na visível predominância numérica dos pardais entre as aves que vemos nas praças de grandes cidades.
É natural que pragas e parasitas freqüentem os campos que o ser humano reclamou para seu uso exclusivo. Nesse momento, uma guerra está sendo travada entre a nossa tecnologia e a seleção natural de insetos e ervas daninhas (ver box na pág. 55). Como não há nenhuma indicação de que estejamos perto da vitória, podemos afirmar que essas pragas ainda vão nos acompanhar por um longo tempo.
Em Future Evolution, Ward descreve certos grupos de seres vivos que apresentam, ao mesmo tempo, alta taxa de especiação (produzem várias espécies) e baixa taxa de extinção (cada uma dessas espécies dura muito tempo). O grande campeão é a família Colubrae – as cobras. Algumas espécies individuais podem até estar ameaçadas devido à degeneração ambiental, mas tudo indica que não deixaremos de vê-las no futuro (como, talvez, deixemos de ver baleias, por exemplo). Pelo mesmo critério, o grupo dos ratos e camundongos (que estão entre as presas preferidas das cobras) também deve durar.
O futuro, pelo jeito, vai ser definido pelo gado, pelas pragas e por pássaros feios. Esses serão os nossos companheiros nos próximos milhões de anos. “Não vamos ver nenhuma grande novidade por um longo tempo”, diz Palumbi. Myers concorda: “É improvável que o planeta restaure o presente número de espécies de plantas e animais nos próximos 5 milhões de anos. Mais grave, o tempo necessário para substituir gêneros extintos pode chegar a 10 milhões de anos e, no passado pré-histórico, famílias de espécies não foram substituídas em menos de 20 milhões de anos”. Do ponto de vista geológico, dezenas de milhões de anos podem não ser uma escala de tempo tão larga. Para nossas limitadas medidas humanas, é uma eternidade. Basta lembrar que nossa espécie só surgiu há cerca de 150 mil anos.
A nova vida que surgirá a partir de elementos tão pobres é uma incógnita. Em seu livro, Ward observa que ninguém pode prever a cor, o tamanho, o formato das espécies do futuro. Mesmo assim, ele arrisca algumas especulações para compor um cenário ao mesmo tempo fantástico e plausível. Daqui a 10 milhões de anos, a nova fauna estaria adaptada à vida nas megacidades. Novas espécies de ratos e insetos ocupariam aquele que seria o hábitat mais promissor da Terra: o depósito de lixo. Cobras estariam adaptadas a esse ambiente, fazendo suas tocas entre restos de plástico e latas para caçar a miríade de pequenos roedores. Os porcos estariam em casa nesse cenário degenerado, talvez até desenvolvam uma pequena tromba para melhor chafurdar nos lixões. Não veremos mais animais gigantescos sobre a Terra, mas isso não significa que não possam nascer pequenos monstros.
O homem
No livro de Peter Ward há um capítulo inteiro dedicado a examinar cenários que poderiam conduzir à extinção humana. É um verdadeiro catálogo de catástrofes anunciadas: guerra nuclear, aquecimento global etc. Ward parece sugerir que essas situações podem, sim, produzir catástrofes globais – mas nenhuma delas ameaçaria nossa sobrevivência enquanto espécie. O maior perigo está ainda no espaço. Um cometa ou meteoro gigantesco poderia se chocar com a Terra e provocar uma extinção em massa, como já aconteceu no final do Cenozóico. Só que os dinossauros não contavam com observatórios astronômicos e armas nucleares. Ward acredita que, em breve, teremos a tecnologia necessária para detectar e destruir qualquer corpo celeste ameaçador.
O paleontólogo aposta na perenidade do homem. Chega a dizer que, dada a posição de supremacia que assumiu sobre todas as outras criaturas do planeta, o Homo sapiens é uma espécie “à prova de extinção”. Outros cientistas são mais cautelosos. Stephen Palumbi concorda que somos providos de muitos recursos, a começar por nosso cérebro, um “mecanismo adaptativo” de primeira ordem. Mas nossa capacidade de destruição também não pode ser ignorada. “Apesar do progresso tecnológico, tenho dúvidas se estaremos realmente imunes ao destino da enorme maioria das espécies que surgiram no planeta”, afirma Francisco Salzano. Mesmo Ward não é um irremediável otimista. Você já viu como o mundo que se desenha para os próximos milhões de anos será mais pobre do ponto de vista da biodiversidade. Outras crises tão ou mais graves também estão no horizonte: superpopulação, escassez de água potável, poluição do ar etc.
Nós mesmos ainda estamos sujeitos à seleção natural? Estamos evoluindo? Muitos cientistas acreditam que a evolução humana já não se dá no terreno da biologia, mas da cultura, com regras muito diferentes. A medicina permitiu que indivíduos de constituição mais fraca e, em alguns casos, até mesmo portadores de doenças hereditárias possam viver e procriar, escapando assim da seleção natural que, no mundo selvagem, abrevia a linhagem dos geneticamente destituídos. Em The Evolution Explosion, porém, Stephen Palumbi lembra que muita gente no Terceiro Mundo ainda não foi tocada pelas benesses da civilização. Exposta à fome e a epidemias – como a Aids na África –, uma grande parte da população mundial ainda estaria sujeita aos mecanismos mais primários da evolução. Outras formas mais sutis e mesmo imperceptíveis de seleção natural podem estar atuando até entre aqueles que fazem três refeições ao dia.
Palumbi nota que, no futuro, o aumento da população mundial vai nos obrigar a viver em centros urbanos cada vez maiores. “Talvez a seleção natural opere para privilegiar os indivíduos que se adaptam melhor a grandes aglomerados”, diz o biólogo.
Dificilmente a evolução chegará ao ponto de gerar uma nova espécie a partir do ser humano. Em geral, a especiação exige que determinado grupo se isole da população global. Colocado à parte, ele vai desenvolvendo, ao longo de sucessivas gerações, características que não existiam na população original. As facilidades de transporte tornam praticamente impossível que um agrupamento humano viva em isolamento absoluto. Ward sugere uma possibilidade para tal situação: seres humanos aprimorados pela engenharia genética poderiam ser isolados não por fatores geográficos, mas por questões socioculturais. Diante dessa hipótese remota, ele prefere apostar na miscigenação humana. As variedades aparentes tenderiam a se uniformizar, com os tons de pele mais escuros ou mais claros desaparecendo gradualmente.
Vale a pena reafirmar que todas as projeções são temerárias. Inúmeros fatores podem influenciar a evolução. A engenharia genética, por exemplo, vive sua infância e ainda é cedo para saber o peso que ela terá sobre a seleção natural. “O desenvolvimento da agricultura e dos animais domésticos causou um imenso impacto no meio ambiente. Os transgênicos são apenas uma nova forma de interferência, sem dúvida mais eficiente que os métodos tradicionais”, diz Francisco. Outros cientistas temem que plantas geneticamente alteradas possam transmitir, pela hibridização, genes para outras espécies. Por esse mecanismo acidental, ervas daninhas poderiam adquirir resistência a herbicidas. “A engenharia genética hoje não está sendo desenvolvida por cientistas, mas por grandes corporações. Seus resultados sobre a evolução serão desastrosos”, diz Ward. A vida parece descobrir sempre novos meios de nos surpreender – mesmo quando somos nós mesmos que abrimos esses caminhos.

Guerra evolucionária

Não se percebe a evolução só com a passagem de períodos geológicos. A seleção natural cabe no calendário que você mudou há poucos dias. Neste exato momento, o homem está travando uma guerra evolucionária. As criaturas que desejaríamos eliminar estão descobrindo recursos para resistir aos nossos ataques bioquímicos e passando essa capacidade a seus descendentes. Um dos exemplos mais visíveis e conhecidos é a revolução dos inseticidas. Em 1948, quando Paul Müller ganhava o Nobel de Medicina pela invenção do DDT, a Europa já conhecia muitas variedades de moscas resistentes a esse veneno. Mesmo assim, no final dos anos 50, um programa de erradicação da malária da ONU espalhou 400 mil toneladas de DDT pelo mundo. Estima-se que isso tenha salvo entre 15 e 25 milhões de vidas, mas o objetivo final não foi alcançado: o transmissor da malária continua vivo e imune ao DDT.
Hoje contamos com inseticidas melhores e menos danosos ao ambiente, como organofosfatos e compostos à base de Bt, toxina extraída de uma bactéria. Mas nenhum deles é imbatível. O mesmo vale para os herbicidas: o novo químico que promete acabar com as ervas daninhas é superado em pouco tempo pela resistência do inço. Usar sempre o mesmo produto favorece a seleção, pois quem sobrevive propaga o gene vencedor . Por sorte, a resistência também cobra seu preço: o inseto cuja formação genética garante imunidade a certa droga talvez venha a crescer ou a se reproduzir mais lentamente que seu primo que não herdou o gene. A seleção natural, porém, vai aos poucos refinando seus ganhos. Os cientistas não descartam nem o surgimento de superinsetos, resistentes a todo tipo de químico sem desvantagens orgânicas. “No futuro, talvez tenhamos que inventar meios mecânicos para matá-los”, sugere Peter Ward, da Universidade de Washington. A situação é ainda pior vista pelo microscópio.
As infecções renitentes são o terror das UTIs. Produzimos antibióticos cada vez mais poderosos e as bactérias, em contrapartida, evoluem mais rápido para desenvolver resistência, o que, por sua vez, aumenta a pressão sobre a pesquisa médica. Os cientistas têm uma elegante analogia literária para explicar esse processo evolucionário: em nossa disputa com as bactérias, agimos como a Rainha Vermelha, uma das fantásticas criações de Lewis Carroll. Personagem de Através do Espelho, livro que dá seqüência a Alice no País das Maravilhas, a rainha é obrigada a correr para permanecer no mesmo lugar.

Para saber mais

NA LIVRARIA:
The Evolution Explosion,
Stephen R. Palumbi. Norton Books, 2001
Future Evolution,
Peter Ward, com ilustrações de Alexis Rockman. Times Books, 2001
Fonte: Super Interessante