terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Da solidão à sociedade

Pesquisa sugere nova versão para evolução social dos primatas, segundo a qual nossos ancestrais teriam deixado a vida solitária para viver em grupos como forma de adaptação à mudança de seus hábitos noturnos para diurnos.
Por: Sofia Moutinho
Publicado em 09/11/2011 | Atualizado em 10/11/2011
Da solidão à sociedade
A transição da vida solitária para a vida em sociedade entre os grandes primatas teria sido causada pela mudança de hábitos noturnos para diurnos. (foto: E.K./ CC BY- SA 3.0)
O homem é um animal social, mas não foi sempre assim com seus ancestrais. Muitas teorias tentam explicar o motivo pelo qual os primatas deixaram a vida solitária para formarem grupos. Agora, uma pesquisa das universidades de Oxford, na Inglaterra, e Auckland, na Nova Zelândia, usa métodos estatísticos para sugerir que o primeiro passo na direção das sociedades se deu quando os grandes primatas (Hominidae) mudaram seus hábitos noturnos para diurnos, há 52 milhões de anos.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores se debruçaram sobre as árvores genealógicas de 217 espécies de primatas. Por meio de um método de análise estatística e com base nos dados já conhecidos sobre o comportamento de uma parte dessas espécies, eles geraram modelos para determinar quais cenários eram mais prováveis.
As lacunas deixadas pelas espécies cujo modo de vida é ainda desconhecido foram preenchidas com diferentes possibilidades – como vida solitária, em grupo de machos e fêmeas, em casal e em harém.
O modelo de evolução social que se mostrou mais plausível indicou que os primatas fizeram a transição da vida solitária diretamente para os grandes grupos e, depois, há cerca de 16 milhões de anos, para modelos mais complexos como a vida em casal ou em harém.
Segundo o estudo, a formação desses primeiros grupos coincidiu com o momento em que provavelmente os primatas adquiriram hábitos diurnos. A coincidência não teria sido aleatória. Os pesquisadores acreditam que a vida em sociedade surgiu justamente como uma adaptação ao novo estilo de vida.
Shultz: “Os primatas passaram a viver em grupos para própria proteção, pois um indivíduo sozinho à luz do dia seria alvo fácil para predadores”
“Esses primatas passaram a viver em grupos para própria proteção, pois um indivíduo sozinho à luz do dia seria alvo fácil para os predadores”, explica a líder do estudo Susanne Shultz, antropóloga da Universidade de Oxford.
Depois de analisar o novo modelo de evolução social, os pesquisadores perceberam ainda que espécies antigas tendiam a se organizar do mesmo modo que suas descendentes, independentemente do local onde viviam. Os babuínos, por exemplo, demonstram ainda hoje o mesmo padrão de vida em grupo, ainda que habitem diferentes locais do planeta.
Os resultados do estudo vão contra as teorias mais aceitas para explicar a evolução social dos primatas. A maioria delas afirma que os grupos sociais complexos se formaram a partir da reunião de grupos menores, com o passar do tempo. Outra teoria bastante aceita, que também é contrariada pela nova pesquisa, é a de que o laço materno entre mães e filhas teria sido o elemento responsável pela formação desses grupos sociais.
Macacos-caranguejeiros
Macacos-caranguejeiros (‘Macaca fascicularis’) são um exemplo de grandes primatas que até hoje vivem em grandes grupos mistos de machos e fêmeas. (foto: Roy Fontaine)
De acordo com o biólogo Felipe A. P. L. Costa, a pesquisa pode gerar polêmica entre os estudiosos da área por não levar muito em conta as circunstâncias ambientais que poderiam estar envolvidas na mudança de estrutura social na árvore genealógica dos primatas.
“Esse estudo se detém pouco nas circunstâncias ecológicas que poderiam levar às mudanças na estrutura social dos primatas e foca mais em uma análise histórica dos padrões sociais”, explica. “O fato de uma espécie exibir um determinado comportamento social também pode ser entendido a partir das circunstâncias em que ela vive e não só da sua ancestralidade.”


Flexibilidade social

Shultz ressalta que a pesquisa não pode ser encarada como prova de nada, mas apresenta um novo cenário mais embasado para a história da evolução da vida social dos primatas.
“Um dos grandes desafios de se tentar entender como os nossos ancestrais viviam é que o comportamento não é fossilizado”, pontua Shultz. “Nós tentamos construir histórias plausíveis de como esses indivíduos se comportavam, socializavam e viviam. Embora a nossa abordagem não possa conclusivamente reconstruir o comportamento das espécies fossilizadas, ela oferece outra ferramenta para trazê-lo à vida.”
Shultz: “Um dos grandes desafios de se tentar entender como os nossos ancestrais viviam é que o comportamento não é fossilizado”
Ao esclarecer determinados aspectos da evolução dos nossos parentes mais próximos, a pesquisa também ajuda na compreensão do comportamento social dos primeiros humanos. Segundo a pesquisadora, nós somos a única espécie que desenvolveu mais de um modo de estrutura social, incluindo a poligamia, a monogamia, as famílias nucleares e as estendidas (compostas por várias famílias nucleares vivendo juntas).
“É incrível como o homem é flexível em sua maneira de se socializar e viver junto nas mais diferentes sociedades”, diz Shultz. “Nenhum outro primata tem essa flexibilidade, que nos permite lidar com e responder a uma grande variedade de condições ambientais.”

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line

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