terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Menos pêlos, menos parasitas, mais parceiros?

Pesquisadora brasileira contesta nova hipótese inglesa para evolução do Homo sapiens
Por: Andreia Fanzeres
Publicado em 30/06/2003 | Atualizado em 02/10/2009

Ao longo da evolução, o Homo sapiens perdeu pêlos para melhor regular sua temperatura em climas quentes. Isso é o que diz a Teoria de Wheeler, a tese mais aceita para explicar o advento dos 'macacos pelados' que somos. Ela não é a única, porém: dois britânicos sugerem que a perda de pêlos foi uma defesa natural contra moscas, piolhos, carrapatos e outros parasitas.
Os contestadores são Mark Pagel e Walter Bodmer, das Universidades de Reading e Oxford, respectivamente. Em estudo publicado em 8 de junho na revista Royal Society Biology Letters , eles alegam que a Teoria de Wheeler não explicaria a perda de pêlos em regiões mais frias. Eles refutam também a hipótese segundo a qual os hominídeos viveram em ambientes aquáticos há cerca de 8 milhões de anos e perderam os pêlos devido à sua ineficácia na manutenção da temperatura dentro d'água.
Os ingleses acreditam que a mudança teria ocorrido para evitar a presença de parasitas na pele que, revestida de pêlos, teria temperatura e umidade propícias para sua proliferação. Os cientistas afirmam que modificações culturais teriam precedido as biológicas: "Quando os homens foram capazes de construir abrigo, fazer fogo e roupas, eles começaram a perder seus pêlos". Esse fator teria sido inclusive um critério de seleção de parceiros ao longo da evolução: indivíduos com menos pêlos poderiam em tese gerar descendentes mais aptos para sobreviver.
Mas como explicar a conservação de pêlos no rosto, na cabeça e na região pubiana? A resposta estaria ligada à seleção sexual: nos dois primeiros casos, os cabelos representariam vantagens naturais na proteção contra o Sol; já os pêlos pubianos seriam responsáveis pela transmissão de feromônios sexuais -- substâncias químicas que atrairiam machos e fêmeas da mesma espécie.
No entanto, não há consenso entre os cientistas quanto à hipótese inglesa. "O estudo não traz cálculos ou dados realmente novos", aponta Lia Amaral, física da Universidade de São Paulo que já publicou trabalhos sobre termorregulação humana. "Trata-se de mais uma argumentação que ressuscita a idéia dos parasitas, considerada e descartada por Darwin, que alegou que outros animais nas mesmas condições não perderam pêlos."
Lia publicou em 1996 um estudo que propõe modificar a Teoria de Wheeler. A física argumenta que ela não seria válida para hominídeos se considerado apenas o ambiente externo, pois os pêlos são uma proteção para animais de sangue quente no frio e no calor. "Basta observar os primatas de savana, todos muito peludos, e habitantes dos desertos, que sempre andam cobertos para minimizar a absorção de calor." Problemas com a pele nua (cortes e queimaduras) foram também citados por Lia como provas de que as vantagens em relação a parasitas seriam menores do que as desvantagens implicadas na perda de pêlos.
A brasileira atribui o fenômeno à necessidade do homem de expelir calor interno em atividades físicas acentuadas. A mudança teria surgido junto com o bipedalismo, antes da entrada dos hominídeos nas savanas. "Lutas territoriais dentro da espécie teriam sido um primeiro passo para a perda dos pêlos", sugere. Os ancestrais dos homens teriam então adotado a postura ereta para melhor segurar seus filhotes, que não podiam mais se agarrar ao pêlo da mãe quando transportados, o que levava à morte de muitos.
É difícil encontrar evidências que permitam dizer por que surgiram certos traços evolutivos. "Se fossem conhecidos os genes responsáveis pela nudez, a análise do DNA de ossos fósseis poderia datar a perda dos pêlos na evolução", explica Lia. Conhecer quando ela ocorreu ajudaria a apontar a hipótese mais coerente e evitaria especulações.
Andreia Fanzeres
Ciência Hoje on-line
30/06/03

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