Pesquisadora brasileira contesta nova hipótese inglesa para evolução do Homo sapiens
Por: Andreia Fanzeres
Publicado em 30/06/2003
|
Atualizado em 02/10/2009
Ao longo da evolução, o
Homo sapiens
perdeu pêlos para melhor regular
sua temperatura em climas quentes. Isso é o que diz a Teoria de Wheeler,
a tese mais aceita para explicar o advento dos 'macacos pelados' que
somos. Ela não é a única, porém: dois britânicos sugerem que a perda de
pêlos foi uma defesa natural contra moscas, piolhos, carrapatos e outros
parasitas.
Os contestadores são Mark Pagel e Walter Bodmer, das
Universidades de Reading e Oxford, respectivamente. Em estudo publicado
em 8 de junho na revista
Royal Society Biology Letters
, eles alegam que a Teoria de Wheeler não explicaria a
perda de pêlos em regiões mais frias. Eles refutam também a hipótese
segundo a qual os hominídeos viveram em ambientes aquáticos há cerca de 8
milhões de anos e perderam os pêlos devido à sua ineficácia na
manutenção da temperatura dentro d'água.
Os ingleses acreditam que a mudança teria ocorrido para
evitar a presença de parasitas na pele que, revestida de pêlos, teria
temperatura e umidade propícias para sua proliferação. Os cientistas
afirmam que modificações culturais teriam precedido as biológicas:
"Quando os homens foram capazes de construir abrigo, fazer fogo e
roupas, eles começaram a perder seus pêlos". Esse fator teria sido
inclusive um critério de seleção de parceiros ao longo da evolução: indivíduos com menos pêlos poderiam em tese gerar descendentes mais aptos para sobreviver.
Mas como explicar a conservação de pêlos no rosto, na
cabeça e na região pubiana? A resposta estaria ligada à seleção sexual:
nos dois primeiros casos, os cabelos representariam vantagens naturais
na proteção contra o Sol; já os pêlos pubianos seriam responsáveis pela
transmissão de feromônios sexuais -- substâncias químicas que atrairiam
machos e fêmeas da mesma espécie.
No entanto, não há consenso entre os cientistas quanto à
hipótese inglesa. "O estudo não traz cálculos ou dados realmente novos",
aponta Lia Amaral, física da Universidade de São Paulo que já publicou
trabalhos sobre termorregulação humana. "Trata-se de mais uma
argumentação que ressuscita a idéia dos parasitas, considerada e
descartada por Darwin, que alegou que outros animais nas mesmas
condições não perderam pêlos."
Lia publicou em 1996 um estudo que propõe modificar a
Teoria de Wheeler. A física argumenta que ela não seria válida para
hominídeos se considerado apenas o ambiente externo, pois os pêlos são
uma proteção para animais de sangue quente no frio
e
no calor. "Basta observar os primatas de savana, todos
muito peludos, e habitantes dos desertos, que sempre andam cobertos para
minimizar a absorção de calor." Problemas com a pele nua (cortes e
queimaduras) foram também citados por Lia como provas de que as
vantagens em relação a parasitas seriam menores do que as desvantagens
implicadas na perda de pêlos.
A brasileira atribui o fenômeno à necessidade do homem de
expelir calor interno em atividades físicas acentuadas. A mudança teria
surgido junto com o bipedalismo, antes da entrada dos hominídeos nas
savanas. "Lutas territoriais dentro da espécie teriam sido um primeiro
passo para a perda dos pêlos", sugere. Os ancestrais dos homens teriam
então adotado a postura ereta para melhor segurar seus filhotes, que não
podiam mais se agarrar ao pêlo da mãe quando transportados, o que
levava à morte de muitos.
É difícil encontrar evidências que permitam dizer por que
surgiram certos traços evolutivos. "Se fossem conhecidos os genes
responsáveis pela nudez, a análise do DNA de ossos fósseis poderia datar
a perda dos pêlos na evolução", explica Lia. Conhecer quando ela ocorreu ajudaria a apontar a hipótese mais coerente e evitaria especulações.
Andreia Fanzeres
Ciência Hoje on-line
30/06/03
Ciência Hoje on-line
30/06/03
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