Neutralismo chocou-se com o paradigma causal predominante na teoria evolucionária até então
Por: Sergio Pena
Publicado em 10/03/2006
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Atualizado em 14/12/2009
No final da década de 1960, Motoo Kimura demonstrou matematicamente que era possível haver evolução por deriva genética na ausência de seleção natural, mesmo em grandes populações e por longas escalas de tempo. Esta teoria neutralista da evolução , ao invés de ser percebida como um avanço espetacular, foi tomada como uma ameaça ao status quo e uma afronta ao darwinismo. Iniciou-se então a chamada controvérsia neutralista-selecionista, cujos bastidores estão discutidos de maneira fascinante pelos próprios protagonistas em uma oficina de trabalho que aconteceu na Universidade de Harvard em 2002 e cujos transcritos podem ser livremente acessados na internet . Pessoalmente, não vejo esta controvérsia como um episódio isolado na história da ciência, mas como apenas uma batalha de uma guerra muito maior entre duas visões de mundo: uma que percebe o universo como determinista, previsível, estritamente alicerçado em causa-e-efeito e outra que aceita incerteza, indeterminação, casualidade, contingência, imprevisibilidade, caos. Para explorar melhor esta idéia, façamos uma breve viagem ao passado. O desenvolvimento da mecânica clássica pelo físico britânico Isaac Newton (1643-1727) no século 17 permitiu que a dinâmica dos sistemas pudesse se reduzir a equações de solução exata que possibilitavam a feitura de predições a respeito dos seus estados futuros. O matemático francês Pierre-Simon de Laplace (1749-1827) levou Newton às suas últimas conseqüências e propôs que, se um “demônio” soubesse com precisão absoluta a posição e a velocidade de todas as partículas existentes no universo, ele poderia prever todo o futuro. Esta visão determinista do universo, que foi chamada paradigma unidirecional causal , dominou a ciência desde então. Contudo, a partir do século 19, ela tem sido mais e mais questionada. A sua refutação mais famosa foi feita na década de 1920 pelo físico alemão Werner Heisenberg (1901-1976), que enunciou o princípio da incerteza , segundo o qual é impossível determinar simultaneamente e com precisão absoluta a posição e a velocidade de uma partícula. Essencialmente, Heisenberg estava dizendo que o demônio de Laplace era uma fraude! Einstein, um determinista de carteirinha assinada, protestou revoltado, dizendo: “Deus não joga dados!”. Observem que a controvérsia entre Einstein e Heisenberg, mais que científica, era transparadigmática. Paradigmas são maneiras de perceber e interpretar o mundo, estruturas de raciocínio, viseiras epistemológicas. O confronto entre pessoas encarceradas em paradigmas diferentes é freqüentemente acirrado e violento, pois elas, não percebendo que estão utilizando estruturas cognitivas diferentes, se enxergam como burras, ilógicas, teimosas ou mal intencionadas. Estes conflitos paradigmáticos ocorrem todo o tempo ao nosso redor. Preste atenção neles. Se o leitor sair por um instante da sua armadura paradigmática causal, verá que não há incompatibilidade entre o neutralismo e o selecionismo, ou seja, eles podem ser vistos como complementares, ao invés de antagônicos. O neutralismo livrou a teoria evolucionária da necessidade de explicar tudo em termos de seleção natural. Com isso, a teoria de Kimura ajudou a esclarecer observações que a síntese moderna não era capaz de explicar, como, por exemplo, o elevado nível de polimorfismo genético (*) em populações naturais, incompatível com o modelo selecionista porque acarretava níveis insuportavelmente altos de carga genética (*).
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Em 1988, no 16º Congresso Internacional de Genética em Toronto uma coincidência incrível aconteceu. Eu havia acabado de comprar o livro de Kimura, The Neutral Theory of Molecular Evolution (cuja publicação em 1983 é considerada o término da controvérsia neutralista-selecionista) quando, ao tomar um elevador, me vi face a face com ele! Assumi minha tietagem e pedi-lhe um autógrafo (ver figura). É um dos meus mementos mais preciosos.
Sergio Danilo Pena
Professor Titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia
Universidade Federal de Minas Gerais
10/03/2006
Fonte: Ciência Hoje
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