terça-feira, 11 de dezembro de 2012

O Jogo da Evolução

Dispositivos do DNA que decidem quando e onde os genes são ativados permitem aos genomas gerar a grande diversidade de formas animais a partir de um conjunto muito semelhante de genes

Sean B. Carroll, Benjamin Prud’homme e Nicolas Gompel

TOM DRAPER DESIGN; M. JOHNSON Wellcome Images (célula); NICK PARFIT Getty Images (zebra); DON FARALL Getty Images (peixe); DARLYNE A. MURAWSKI National Geographic/Getty Images (mosca); DARRIN KLIMEK Getty Images (rã); MATHEW WARD Getty Images (tigre); DAVE KING Getty Images (elefante); GEOFF DAN Getty Images (chimpanzé); JOSE LUIS PELAEZ (humano)
À primeira vista esta lista de animais poderia ser a de um zoológico qualquer. Há um elefante, um tatu, um gambá, um golfinho, uma preguiça, um porco-espinho, morcegos grandes e pequenos, musaranhos, alguns peixes, um macaco Rhesus, um orangotango, um chimpanzé e um gorila – para citar algumas das criaturas mais conhecidas. Mas esse zoológico não é nada como os outros já existentes. É um zoológico “virtual” que contém apenas as seqüências de DNA desses animais – as centenas de milhões a bilhões de letras do código do DNA que compõem a receita genética de cada espécie.

Os visitantes mais animados desse novo zoológico molecular são os biólogos evolucionistas, já que podem contar com um registro extenso e detalhado da evolução. Há muitas décadas, cientistas tentam entender como a grande diversidade de espécies surgiu. Já sabemos há meio século que as mudanças em características físicas, da cor do corpo ao tamanho do cérebro, vêm de mudanças no DNA. No entanto, até recentemente, determinar precisamente quais mudanças nas vastas seqüências de DNA foram responsáveis por conferir a cada animal sua aparência única estava fora de alcance.

Agora, os biólogos estão decifrando os registros de DNA para localizar as instruções que fazem as diversas espécies ser tão diferentes umas das outras e nos tornam diferentes dos chimpanzés. Essa empreitada levou a uma grande mudança em nossa perspectiva. Durante grande parte dos últimos 40 anos, os pesquisadores dedicaram a maior parte de sua atenção aos genes – seqüências de nucleotídeos no DNA que codificam as cadeias de aminoácidos, que formam as proteínas. Mas, para nossa surpresa, as diferenças nas aparências acabaram por ser enganosas: animais muito diferentes possuem conjuntos de genes muito semelhantes. As trilhas da evolução estão agora nos levando a dispositivos dentro do DNA que ativam e desativam a expressão gênica, que não codificam nenhuma proteína, mas controlam quando e como os genes são usados. Alterações nesses dispositivos são cruciais para a evolução da anatomia e fornecem novas visões de como a aparentemente interminável variedade de formas do reino animal evoluiu.
DON FARRALL Getty Images

O Paradoxo da Codificação
Por um longo tempo, os cientistas certamente esperavam que as variações anatômicas entre os animais fossem refletidas por diferenças claras no conteúdo de seus genomas. Quando comparamos genomas de mamíferos como o camundongo, o rato, o cachorro, o homem e o chimpanzé, no entanto, vemos que seus respectivos catálogos de genes são notavelmente similares. O número aproximado de genes no genoma de cada animal (cerca de 20 mil) e as posições relativas de muitos genes se mantiveram bem constantes em 100 milhões de anos de evolução. Isso não quer dizer que não há diferenças no número e na localização dos genes. Mas, à primeira vista, nada nesses inventários gênicos diz “camundongo” ou “cão” ou “humano”. Ao compararem os genomas do camundongo e do homem, por exemplo, os biólogos são capazes de identificar no roedor genes equivalentes a pelo menos 99% dos nossos.

Quando os biólogos avaliam individualmente os genes, de forma detalhada, a semelhança entre espécies também é a regra. As seqüências de DNA de duas versões quaisquer de um gene, bem como as proteínas que codificam, são geralmente semelhantes em um grau que simplesmente reflete a quantidade relativa de tempo que se passou desde que as duas espécies divergiram de um ancestral comum. A preservação das seqüências codificantes ao longo da evolução é particularmente intrigante quando consideramos os genes envolvidos na construção e definição das formas do corpo.

Apenas uma pequena fração de todos os genes – menos de 10% – são responsáveis pela construção e definição das formas do corpo dos animais durante seu desenvolvimento de um óvulo fertilizado à forma adulta. O resto está participando de tarefas diárias das células nos diversos órgãos e tecidos. Diferenças anatômicas entre animais – no número, tamanho, forma ou cor de partes do corpo – devem de alguma forma envolver genes de construção. Na verdade, o estudo do papel central exercido na evolução por genes e nos processos associados ao desenvolvimento da anatomia até ganhou seu próprio apelido: evo-devo (abreviação em inglês para “evolução do desenvolvimento”). Para os especialistas nessa área de pesquisa, como nós, a descoberta de que as proteínas que constroem o corpo são ainda mais parecidas na média que outras foi particularmente intrigante por causa do paradoxo que parece apresentar: animais tão diferentes quanto um camundongo e um elefante são modelados por um conjunto comum de proteínas de construção muito semelhantes e funcionalmente indistinguíveis. O mesmo se aplica aos humanos e a nossos parentes vivos mais próximos – a maioria de nossas proteínas difere das dos chimpanzés em apenas um ou dois das centenas de aminoácidos que compõem cada uma delas, e 29% de nossas proteínas têm seqüência exatamente idêntica à deles. Como explicamos essa disparidade na evolução quanto aos níveis de proteína e à anatomia? Em algum lugar de todo aquele DNA genômico deve haver diferenças significativas que evoluíram. O difícil é achá-las.
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Controlando a Expressão Gênica
Nos humanos, as seqüências codificantes de proteína do DNA ocupam apenas cerca de 1,5% de nosso genoma. Boa parte do DNA não-codificante não tem função conhecida, mas algumas das seqüências participam da tarefa muito importante de regulação da expressão gênica. E essas seqüências regulatórias são cruciais para a evolução.

A expressão de um gene implica a transcrição de uma seqüência de DNA em uma versão de RNA mensageiro (mRNA), e a tradução desse mRNA para uma seqüência protéica. A expressão da maioria dos genes é regulada no nível transcricional – as células não desperdiçam energia fabricando mRNAs e proteínas de que não precisam. Muitos genes são, dessa forma, expressos especificamente em determinado órgão, tecido ou tipo celular. Certas seqüências não-codificantes de DNA podem exercer um papel crítico na decisão de quando e onde isso acontece. Elas são componentes dos dispositivos que ligam ou desligam genes no sítio e hora corretos. Proteínas ligantes de DNA em seqüências específicas, chamadas fatores de transcrição (que são os outros componentes desse dispositivo), reconhecem essas seqüências de DNA, normalmente chamadas de acentuadoras ou promotoras (enhancers). A ligação de fatores de transcrição à seqüência acentuadora no núcleo celular determina se o dispositivo de expressão e o gene estão ligados ou desligados naquela célula.

Todo gene contém pelo menos um acentuador. Ao contrário dos genes em si, cujas regiões codificantes são prontamente identificadas em virtude da gramática bastante simples do código genético, as regiões acentuadoras não podem ser reconhecidas tendo como base apenas suas seqüências de DNA, e devem ser identificadas experimentalmente. Geralmente, os acentuadores são formados por centenas de pares de bases de comprimento e podem estar localizados em qualquer um dos lados do gene, ou mesmo em uma seqüência não-codificante dentro dele. Eles podem também estar a milhares de nucleotídeos de distância do gene.
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De suma importância para a nossa discussão aqui é o fato de que alguns genes podem ter muitos acentuadores separados. Isso é particularmente verdadeiro para genes que codificam proteínas que definem a anatomia. Cada acentuador regula de forma independente a expressão do gene em diferentes partes do corpo e em várias épocas do ciclo de vida do animal, de forma que a expressão completa do gene é uma colcha de retalhos de vários locais de expressão controlados independentemente. Esses acentuadores permitem que o mesmo gene seja utilizado muitas vezes em diferentes contextos e, assim, expandem enormemente a versatilidade funcional de genes individuais.

Um gene envolvido na coloração de partes do corpo de uma mosca-das-frutas ilustra a lógica modular desse sistema de regulação gênica. O gene batizado confusamente de Amarelo codifica uma proteína que promove a formação de pigmentação negra (moscas mutantes, sem essa proteína, são amarelas). O gene Amarelo tem acentuadores separados que o ativam durante o desenvolvimento de várias partes do corpo, incluindo as asas e o abdômen.

Uma vez que o gene Amarelo exerce um papel durante o desenvolvimento de tantos tecidos, mutações do gene em si seriam desastrosas se alterassem ou desativassem a função da proteína, pois afetariam o funcionamento da proteína de pigmentação Amarelo em todo o organismo. Por outro lado, mudanças em apenas um dos acentua-dores do gene afetam apenas a função desse acentuador e a expressão do gene Amarelo que é governada por ele, sem modificar a expressão e o funcionamento da proteína em outros tecidos.

As implicações evolutivas da regulação modular de genes de definição das formas do corpo são profundas. Teoricamente, mutações nos acentuadores permitiriam que traços corporais individuais fossem seletivamente modificados, sem alterar genes ou proteínas em si. Nos últimos anos, têm surgido evidências diretas de que é assim que muitas vezes as várias formas e padrões corporais apareceram.
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Dispositivos em Evolução
Uma das estratégias mais importantes na biologia é identificar os modelos experimentais mais simples do fenômeno que se pretende entender. Com relação à evolução de um determinado padrão corporal, a cor é o melhor modelo. Padrões de coloração corporal de mosca-das-frutas se diversificaram rapidamente entre espécies proximamente relacionadas, e a análise de como esses insetos adquiriram suas manchas e listras ilustra como e por que a evolução dos dispositivos de ativação genética define a evolução da anatomia.

Em algumas espécies, os machos têm manchas de negro intenso na ponta das asas, enquanto outras espécies não as têm. Em algumas dessas mesmas espécies, os machos têm o abdômen muito escuro (que é como a mosca-das-frutas mais famosa, a Drosophila melanogaster, recebeu seu nome: melanogaster significa “barriga preta”), enquanto machos de outras espécies não possuem essa faixa negra. Em espécies com asas pintadas, o macho exibe suas pintas para a fêmea quando a corteja com uma dança. Descobrimos que, em espécies manchadas, a proteína Amarelo é produzida em níveis muito altos nas células que comporão as manchas e em níveis baixos no resto das células da asa. Em espécies sem manchas, a Amarelo é produzida em níveis baixos em toda a asa, gerando apenas um pontilhado claro de pigmento negro.

Para entendermos como a Amarelo é produzida em uma mancha da asa em algumas espécies e não em outras, buscamos nas seqüências de DNA próximas ao gene Amarelo os acentuadores que controlam sua expressão em várias partes do corpo. Nas espécies sem manchas, há um acentuador que estimula a expressão do Amarelo em um padrão baixo e uniforme por toda a asa. Essa atividade acentuadora na asa gera a coloração cinza claro. Quando a porção correspondente de DNA de uma espécie manchada foi analisada, descobrimos que ela estimula tanto esse padrão de expressão gênica de baixa intensidade quanto o padrão intenso de manchas. O que ocorreu no curso da evolução das espécies manchadas é que novos sítios de ligação para fatores de transcrição produzidos na asa evoluíram na seqüência acentuadora de DNA do Amarelo. Essas mudanças criaram um padrão de expressão – manchas na asa – sem alterar onde a proteína Amarelo é fabricada ou como ela funciona em outros locais do corpo.
Uma história semelhante ocorreu na evolução da faixa preta no abdômen mas com uma diferença. Embora tenhamos uma tendência natural a pensar que a presença de uma característica em uma espécie e sua ausência em outra espécie relacionada é o resultado de um ganho pela primeira, muitas vezes esse não é o caso. O outro lado da moeda na evolução, a perda de características, é muito comum, apesar de menos conhecida. Talvez a perda de características corporais ilustre melhor por que a evolução dos acentuadores é o caminho mais provável da evolução da anatomia.

Um acentuador do gene Amarelo comanda sua expressão no abdômen. Em machos de espécies com a faixa negra, esse acentuador direciona a expressão do gene Amarelo em altos níveis em células da parte posterior do abdômen. Mas algumas espécies, como a Drosophila kikkawai, perderam essa faixa pigmentada no curso da evolução. Na D. kikkawai, o acentuador não é mais capaz de estimular altos níveis de expressão de Amarelo na parte posterior do abdômen porque algumas mutações degradaram alguns de seus sítios de ligação para fatores de transcrição.

É importante enfatizar que o gene Amarelo permanece ativo no restante do corpo e que sua função bioquímica está intacta. Embora um dos caminhos para perder a faixa negra pudesse ter sido por meio de mutações que desativassem o gene Amarelo e sua proteína, essa via não é permitida pela seleção natural, já que a perda da função da Amarelo em outros lugares do corpo teria conseqüências adicionais negativas.

A perda de características pode ou não ser benéfica para a sobrevivência ou maior sucesso reprodutivo, mas algumas perdas são adaptativas porque facilitam alguma mudança no estilo de vida. Membros posteriores, por exemplo, foram eliminados várias vezes no caso de vertebrados – como cobras, lagartos, baleias e peixes-boi –, e essas perdas estão associadas à adaptação a diferentes hábitats e meios de locomoção. Os precursores evolutivos dos membros posteriores dos vertebrados são as barbatanas pélvicas dos peixes. Diferenças cruciais na anatomia delas também evoluíram em populações de peixes proximamente relacionadas. O peixe-espinho aparece em duas formas em muitos lagos da América do Norte – em águas profundas, sua pelve é completamente coberta de espinhos; aqueles que vivem no assoalho de águas rasas tiem a pelve dramaticamente reduzida e os espinhos, atrofiados. Em águas profundas, os espinhos ajudam a impedir que o peixe seja engolido por predadores maiores. No entanto, no assoalho do lago, esses espinhos são um ponto fraco, pois larvas de libélula que se alimentam dos peixes jovens conseguem agarrá-los.
As diferenças na morfologia da pelve entre esses peixes evoluíram repetidas vezes em apenas 10 mil anos desde a última era glacial. Grandes peixes-espinho oceânicos colonizaram muitos lagos separados, e a variedade com pelve reduzida evoluiu de forma independente diversas vezes. Como esses peixes são muito próximos e conseguem ter reprodução interespécies em laboratório, os geneticistas podem mapear os genes envolvidos na redução da pelve. David M. Kingsley, da Stanford University, juntamente com Dolph Schluter, da University of Bristish Columbia e seus colegas, demonstraram que mudanças na expressão de um gene envolvido na construção do esqueleto da pelve estavam associadas à sua redução. Como a maior parte dos outros genes de construção corporal, o Pitx1 tem várias funções no desenvolvimento do peixe. Mas sua expressão é perdida de forma seletiva na área do peixe que dará origem ao broto da barbatana pélvica e seus espinhos. Mais uma vez, mudanças evolutivas em um acionador são as responsáveis. Não há mudanças codificantes na proteína Pitx1 entre as diferentes formas de peixe-espinho.

O Amarelo, o Pitx1 e a maioria dos outros genes de construção e definição das formas do corpo são pleiotrópicos, ou seja, influenciam a formação e o aparecimento de várias características. Mutações na seqüência codificante de um gene pleiotrópico provocam uma série de efeitos em todas as características controladas por ele, e é improvável que uma quantidade drástica de mudanças seja tolerada pela seleção natural. A lição crucial da evolução de pintas, faixas e esqueletos é que as mutações em seqüên-cias regulatórias contornam os efeitos pleiotrópicos em seqüências codificantes e permitem uma modificação de partes individuais do corpo. Mutações nas seqüências regulatórias não são o único modo de evolução – são apenas a via mais provável quando um gene tem vários papéis e um deles é modificado seletivamente.

Genes em Comum, Variedade sem Fim
A evolução dos acentuadores não está, de forma alguma, limitada aos genes que afetam a forma corporal, nem apenas a moscas-das-frutas e peixes estranhos. Uma série de exemplos de mudanças evolutivas em seqüências regulatórias que alteram a expressão gênica foi demonstrada para características humanas também.

Um dos casos mais impressionantes na evolução humana recente representa uma adaptação, por meio da perda seletiva da expressão de um gene, a um ambiente onde a malária é endêmica. Além dos familiares tipos de sangue A, B e O, outros considerados secundários têm sido bastante estudados. A condição de uma proteína chamada Duffy, presente na superfície de glóbulos vermelhos sangüíneos, define um desses tipos. A proteína Duffy constitui parte do receptor que é utilizada por um parasita que provoca a malária, o Plasmodium vivax, para infectar os glóbulos vermelhos. Mas, na África ocidental, a proteína está ausente das células sangüí-neas de quase 100% da população, tornando as pessoas resistentes à infecção. O gene Duffy é também expresso em vários outros tecidos corporais, inclusive por células do baço, rins e cérebro. Na população africana, a expressão do Duffy nesses outros tecidos está preservada. Não surpreendentemente, essas pessoas Duffy-negativas portam uma mutação em um acentuador do gene Duffy que elimina o sítio de ligação para um fator de transcrição que ativa a expressão desse gene nos precursores das hemácias, mas não tem efeitos na produção da Duffy em outros locais do corpo.
Gregory A. Wray, da Duke University, e seus colaboradores identificaram outros aspectos da biologia humana que evoluíram por meio de mutações em acentuadores de diversos genes humanos. Uma das associações mais intrigantes revelada até agora engloba a divergência nas seqüências regulatórias humana e dos grandes primatas que controlam o gene Prodinorfina, que codifica um conjunto de pequenas proteínas opióides produzidas no cérebro e que atuam na percepção, comportamento e memória. O gene humano é levemente mais expresso em resposta a estímulos que a versão do chimpanzé, e fortes evidências sugerem que a seqüência regulatória humana evoluiu sob seleção natural – ou seja, foi mantida por ser vantajosa.

Como os exemplos ilustram, mutações no DNA regulatório indubitavelmente exerceram um papel na evolução humana, e a variação regulatória também pode ser uma fonte importante de diferenças físicas e de saúde entre as pessoas. Já que os cientistas não podem manipular o DNA de humanos vivos como o fazem com moscas e peixes, é mais difícil estudar certos exemplos de mudança em DNA regulatório responsáveis por nossa divergência de outras espécies, embora alguns novos métodos de análise genômica estejam produzindo resultados iniciais animadores.

Ainda estamos no início da pesquisa acerca da evolução das seqüências de DNA reguladoras de genes. Centenas de milhares de dispositivos de expressão genética no zoológico virtual de genomas ainda estão para ser descobertos ou investigados. No entanto, biólogos já estão aprendendo novos princípios: mudanças evolutivas na anatomia, particularmente as que envolvem genes pleiotrópicos, ocorrem mais provavelmente via mudanças em acentuadores gênicos que nos genes em si.

Esse fenômeno também revela como muitos grupos diversos de animais podem compartilhar a maioria, se não todos, os genes envolvidos na construção e definição das formas do corpo. Ao contrário das expectativas iniciais dos cientistas, a questão é, principalmente, como e quando esses genes são usados para moldar as diferentes formas do reino animal. Se realmente quisermos entender o que faz as formas humanas diferentes daquelas de outros primatas e o que torna um elefante distinto de um camundongo, grande parte da informação não está em nossos respectivos genes e proteínas, mas em um domínio completamente diferente de nossos genomas que permanece inexplorado.
- Uma vez que os genes codificam as instruções para a constituição do corpo dos animais, os biólogos esperavam encontrar diferenças genéticas significativas entre eles, refletindo sua grande diversidade de formas. Mas, na verdade, descobriram que animais muito diferentes possuem genes muito semelhantes.

- Mutações em dispositivos que controlam a expressão de genes que definem as formas do corpo, e não nos genes em si, têm sido uma fonte significativa de diferenças evolutivas entre animais.

- Se os humanos quiserem entender o que distingue os animais, incluindo nós mesmos, uns dos outros, será preciso olhar além dos genes.
– Os editores
TAMI TOLPA

Para entenderem quando e onde um acentuador regula a expressão de um gene, os cientistas montam um fragmento de DNA contendo a seqüência do acentuador e um gene indicador que produzirá um sinal visível quando estiver ativo. Depois que essa montagem de DNA é injetada em um embrião de uma única célula, passa a integrar o genoma do animal e estar presente em todas as células do corpo em desenvolvimento. A ativação do gene indicador revela o papel do acentuador em processos de construção corporal durante o desenvolvimento.
Um dos principais limitadores do ritmo de descoberta de acentuadores humanos tem sido a dificuldade de identificar onde eles residem nas vastas regiões não-codificantes do genoma humano. Os biólogos têm agora usado o poder de preservação da seleção natural para farejar seqüências de DNA não-codificante que ficaram surpreendentemente bem conservadas ao longo das grandes escalas do tempo evolutivo, na esperança de detectar acentuadores.

Nesse artigo, enfatizamos mudanças em acentuadores que explicam diferenças entre organismos. Mas é fácil perceber que alguns executam funções que não se modificaram. Enquanto o ritmo constante das mutações corrói a semelhança geral entre as seqüências de DNA de diferentes espécies à medida que divergem, a seleção natural mantém as seqüências de acentuadores que conserva sua função, algumas vezes em um grau extraordinário.

O senso comum diz que os advogados e os tubarões têm muitas semelhanças. Mas quem adivinharia que as semelhanças vão até o nível do DNA? Isso é basicamente o que pesquisadores do Instituto de Biologia Celular e Molecular de Cingapura e do Craig Venter Institute em Rockville, Maryland, demonstraram. A equipe mostrou que apesar dos mais de 500 milhões de anos que separam os tubarões dos humanos, compartilhamos quase 5 mil elementos em regiões não-codificantes próximas a genes que aparentam ser acentuadores. Notavelmente, a maioria desses elementos altamente preservados está localizada na vizinhança de genes de construção corporal, refletindo a arquitetura corporal geral compartilhada pelos vertebrados.

Todo vertebrado tem características anatômicas – órgãos, tecidos, tipos celulares, e assim por diante – que foram preservadas durante sua diversificação. Em distâncias evolutivas mais curtas, o número de elementos compartilhados e o grau de semelhança aumentam.

A comparação de genomas está, portanto, rapidamente expandindo o catálogo de acentuadores conhecidos de humanos, mamíferos e vertebrados, e pode levar à identificação de seqüências envolvidas na divergência de formas corporais. – S. B. C., B. P. e N. G.
Evolution at two levels: on genes and form.Sean B. Carroll, em PLoS Biology, vol. 3, no 7, págs. 1159-1166, julho de 2005.

Endless forms most beautiful: the new science of evo devo and the making of the animal kingdom. Sean B. Carroll. W. W. Norton, 2005.

The making of the fittest: DNA and the ultimate forensic record of evolution.Sean B. Carroll. W. W. Norton, 2006.

The evolutionary significance of cis-regulatory mutations. Gregory A. Wray, em Nature Reviews Genetics, vol. 8, págs. 206-216, março de 2007.

Emerging principles of regulatory evolution.Benjamin Prud’homme, Nicolas Gompel e Sean B. Carroll, em Proceedings of the National Academy of Sciences USA, vol. 104, Suplemento 1, págs. 8605-8612, 15 de maio de 2007.

Para links para recursos didáticos, acesse www.seanbcarroll.com
 
Fonte: Scientific American 

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