terça-feira, 11 de dezembro de 2012

O que as vovós da Finlândia têm a nos dizer sobre a evolução humana

O trabalho da bióloga Virpi Lummaa revela que os humanos são provavelmente o melhor objeto de estudo para analisar os efeitos evolucionários através das gerações

David Biello

VOVÓ FINLANDESA: Uma pesquisa detalhada sobre nascimento, casamento e morte na Finlândia revela porque mulheres vivem tanto após o período fértil: elas ajudam seus netos a sobreviver
Nenhum animal se compara aos humanos quando o assunto é estudar populações através dos tempos. De fácil rastreamento e às vezes vivendo em um isolamento relativo, o Homo sapiens é a única espécie que mantém registros detalhados de sua vida. É por isso que, em 1998, a bióloga Virpi Lummaa, da University of Sheffield, na Inglaterra, começou a garimpar pelas igrejas da Finlândia registros de até dois séculos para conseguir pistas sobre a influência da evolução sobre a reprodução.

“Sempre quis trabalhar com primatas, mas coletar dados semelhantes entre os chimpanzés, por exemplo, seria uma luta. Então, decidi estudar outro tipo de primata”, conta Lummaa.

A bióloga finlandesa de 33 anos de idade, com o apoio de geneticistas, se aventurou por dois séculos de velhos livros de registro e microfichas de nascimentos, casamentos e óbitos, que forneceram um vislumbre da evolução da humanidade recente. Algumas das observações: em um casal de gêmeos, o irmão atrapalha o potencial de casamento para sua irmã, com a imposição prematura de sua masculinidade; mães de meninos morrem mais prematuramente do que as de meninas, porque mulheres são mais cuidadosas com as pessoas mais velhas; e a presença das avós é importante para a sobrevivência dos netos. “Estou tentando entender o comportamento reprodutivo humano usando como base a perspectiva evolucionária”, conta Lummaa.

Recentemente, Lummaa e sua equipe estudaram o efeito dos meninos sobre suas irmãs gêmeas. De 754 gêmeos nascidos entre 1734 e 1888, em cinco cidades rurais da Finlândia, foi verificado que meninas que possuíam um irmão gêmeo tinham 25% menos chances de ter filhos; entre aquelas que tiveram sua prole, deram à luz pelo menos dois filhos a menos. As solteiras possuíam 15% a menos de chance de casarem quando comparadas a moças que tinham uma irmã gêmea. A porcentagem se manteve mesmo considerando outros fatores como classe social ou cultural, ou ainda se o irmão tivesse morrido aos três meses de idade, deixando a irmã como filha única. Esses dados foram publicados pelos pesquisadores nos Proceedings of the National Academy Sciences USA.

EFEITO DOS GÊMEOS: De acordo com a pesquisa, possuir um irmão gêmeo reduz a chance da irmã mulher se casar ou ser mãe
Lummaa especula que as descobertas se devem ao hormônio masculino, a testosterona, que poderia masculinizar a irmã gêmea dentro do útero, como já foi estudado em ensaios com animais. Seja qual for a causa, não há duvidas sobre os resultados: os dados comprovam que mães de gêmeos de sexos opostos ficam com 19% a menos de netos do que as mães de gêmeos do mesmo sexo, indicando que a evolução favorece o segundo caso.

Os resultados são confusos, diz Ken Weiss, antropólogo biológico e geneticista da Pennsylvania State University, notando que “se a capacidade de gerar gêmeos é genética, então deve haver uma leve tendência de seleção contra ela, para que gêmeos se mantivessem um caso raro. No entanto, para alguns animais, ter gêmeos é algo rotineiro”. Frente a tantas informações conflitantes, ele complementa: “Existem perigos em interpretar demais esses efeitos adaptativos, mesmo que a observação seja correta”.

A medicina moderna e a nutrição tendem também a comprometer a clareza desse tipo de resultado, daí a necessidade de voltar para a época pré-industrial finlandesa, antes do controle de natalidade, quando havia períodos de fome e altos índices de mortalidade infantil. “É quase um choque quando você percebe que, há 100 ou 150 anos, 40% dos bebês morriam antes de alcançar a vida adulta, e a vida adulta começava aos 15 anos”, complementa Lummaa.

“Na ausência de práticas culturais como o uso de anticoncepcionais e reprodução assistida, os humanos estão sujeitos às mesmas forças da evolução que qualquer outro organismo”, diz o biólogo Tobias Uller da University of Wollongong, na Austrália. “Os dados de Lummaa são extraordinariamente detalhados quando comparados aos que nós temos disponíveis sobre outros animais, e podem ser usados para abordar questões-chave na teoria da evolução”.
A autora do estudo também usou esses dados históricos para ponderar o enigma das vovós – ou seja, por que as mulheres muitas vezes vivem tanto tempo após o período de reprodução (uma média de 50 anos de idade), ao contrário da maioria dos animais. “Se a razão fundamental da vida é gerar a maior quantidade de descendentes possíveis e passar adiante o maior número de genes, é um pouco estranho que as fêmeas humanas parem no meio do caminho”, questiona Lummaa.

Uma interpretação possível é que ter uma avó por perto melhora de alguma maneira o potencial reprodutivo de seus netos. Na verdade, essa é a charada que os pesquisadores encontraram ao revisarem estatísticas de 537 mulheres finlandesas, que juntas tiveram 6.002 netos. Além disso, mais de 3.000 canadenses (que tiveram modestos 100.074 netos) confirmaram que ter uma avó por perto contribuiu para que as mulheres mais jovens tivessem mais filhos mais cedo e melhorarem suas chances de sobrevivência na vida adulta. “Isso sugere que talvez essas mulheres continuem vivendo porque são necessárias para ajudar”, explica Lummaa.

É lógico que estudar humanos requer saber separar muito bem os efeitos culturais. Por exemplo, os dados finlandeses indicam que a mortalidade infantil era muito maior em cidades do continente que nas ilhas localizadas no arquipélago do mar da Finlândia. Uma razão para isso poderia ser o fato de as mulheres do continente serem as responsáveis pelo trabalho rural, levando à substituição precoce do leite materno pelo leite de vaca. “Esse hábito gerava mais chance de infecções. No arquipélago esse não era o caso”, afirma Lummaa. Índices de natalidade em ambas as regiões também tendiam a crescer nove meses depois do período em que os finlandeses tradicionalmente se casavam: após a colheita de outono.

Estudar humanos envolve outras armadilhas, pois é muito comum se envolver de uma forma especial com o objeto de estudo, conta Lummaa. “Temos milhares de pessoas. Não posso dizer que eu conheço cada uma delas, mas algumas famílias simplesmente se destacam. Uma mulher teve dezoito filhos e cada um deles morreu antes de chegar à vida adulta, sendo que ela viveu até os noventa anos”, relata. “Se você está estudando seres humanos, é impossível não sentir-se ligada às descobertas”.
Hoje Lummaa está aprendendo tudo em primeira mão, com seu bebê três meses de idade, Eelis. “É o nosso próprio filho, não dá para ter uma atitude científica”, ela admite. “A verdade é que de vez enquanto me pego pensando, ‘Bem, o que ele tem em seu padrão genético e o que ele herdou da mamãe e do papai?’Estou sempre tentando procurar traços dos meus pais no meu filho”. É claro que ela está animada com a pesquisa, mas o estudo não tenha uma previsão muito boa para sua própria expectativa de vida. As mães finlandesas pré-modernas entre os Sami (povo que vive na região da Lapônia e é conhecido por seus rebanhos de renas) que tiveram meninos têm expectativa de vida menor que aquelas que tiveram meninas. Isso está relacionado ao peso dos bebês ao nascerem (geralmente, os meninos são maiores), mas também ao hormônio masculino. “A testosterona pode comprometer o sistema imunológico e afetar a saúde da mãe”, explica Lummaa. “Meninos dão mais trabalho para criar que meninas, pois exigem mais dos recursos físicos da mãe. Geralmente, eles também não ficam por perto para ajudar a mãe, como as meninas”.

Felizmente, Lummaa pode contar com a medicina moderna. “Mas posso sentir que ele está sugando minha energia, e isso está me deixando mais velha”, ela diz rindo. “Como aquelas mulheres conseguiam dar à luz todos os anos?”.
Atualmente, Lummaa voltou suas atenções para o efeito dos avôs sobre os netos. Se as avós melhoram suas chances de sobrevivência, para que os homens mais velhos contribuem? “Na verdade existe um efeito negativo”, ela afirma. Um dos motivos pode ser a tradição cultural de satisfazer a vontade do homem, principalmente os mais velhos. “Talvez, se os netos tivessem um avô velhinho, ele comeria a comida das crianças”, ela especula. Outra hipótese é que os homens podem continuar se reproduzindo, e estão mais interessados em qualquer outra pessoa do que em suas próprias crianças. Outra razão possível é que mulheres podem ter certeza que o neto é seu descendente direto, o que se torna mais difícil para os avôs. Isso também pode ter levado esses homens a se casar duas ou três vezes em vez de dar atenção a seus filhos. “Estamos comparando homens que casaram uma só vez na vida com outros que tiveram várias esposas”, diz Lumma.

Lummaa não está sozinha usando a história humana para aperfeiçoar a compreensão da evolução. Um estudo recente feito pelo etnólogo Dustin Penn, da Academia Austríaca de Ciências, em Viena e o cientista de populações Ken Smith, da University of Utah, usaram os registros da igreja mórmon do século 19 e descobriram que ter mais filhos aumentava as chances da mulher morrer mais prematuramente. A antropóloga Kristen Hawkes, também da University of Utah, chegou às mesmas conclusões estudando populações de tribos de caçadores e coletores da África e da América do Sul. “O mais interessante é descobrir o que causa as diferenças entre as populações humanas”, diz Lummaa. “Como a teoria geral da evolução explica na prática os padrões observados nos humanos? E quanto às outras razões dessas diferenças?”. Como Lummas diz, “Temos mais informações que tempo para analisá-las”. Assim, é bem provável que Lummaa, sua equipe e os seus descendentes terão bastante material de estudo até que ela mesma também se torne uma vovó. 
 
Fonte: Scientific American

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