Salvador
em gravura do livro de Robert Fitzroy, capitão do Beagle: para Darwin, a
beleza do casario branco e elegante só perdia para a exuberância da floresta
tropical
Ao
aportar no litoral da Bahia em fevereiro de 1932, na terceira escala de seu
périplo a bordo do Beagle, Charles Darwin ficou extasiado com a
vegetação à sua frente. Anotou em seu diário: "É uma visão das mil e uma
noites, com a diferença de que é tudo de verdade". Era a primeira vez que
o naturalista pisava numa floresta tropical. Darwin esteve no Brasil por duas
vezes, nos trajetos de ida e de volta de sua viagem de cinco anos. Ao todo,
permaneceu cinco meses e meio no país, tempo suficiente para realizar seus
estudos e espantar-se com os hábitos dos nativos. A começar pelo Carnaval. Em
Salvador, quando viu os foliões tomar as ruas e atirar bolas de cera cheias de
água uns nos outros, achou por bem recolher-se à tranqüilidade civilizada do Beagle.
Dois
meses depois, o navio chegou ao Rio de Janeiro, então capital do império. No
Rio, Darwin foi convidado a conhecer uma fazenda de café no norte fluminense.
Antes da viagem, criticou em seu diário a demora das autoridades brasileiras em
lhe conceder os documentos necessários para viajar com cavalos. "Mas a
perspectiva de ver matas selvagens cheias de belos pássaros, macacos, preguiças
e jacarés", ele escreveu, "faz um naturalista até mesmo lamber a
poeira das botas de um brasileiro." A excursão durou quinze dias. No
caminho, o explorador só conseguiu se alimentar de galinha e farinha de
mandioca, este último ingrediente, segundo Darwin, "o mais importante
alimento na subsistência do brasileiro".
Na volta
ao Rio de Janeiro, Darwin deixou o Beagle e se hospedou num chalé em
Botafogo. Andou pela Floresta da Tijuca, foi ao Jardim Botânico e ao Pão de
Açúcar e coletou centenas de plantas e insetos. Fez anotações sobre a
"falta de educação" dos brasileiros e a forma como a Justiça era
feita no país. "Se um crime, não importa quão grave seja, é cometido por
um homem rico, ele logo estará em liberdade. Todo mundo pode ser
subornado", escreveu. As observações mais contundentes de Darwin sobre o
Brasil dizem respeito à manutenção da escravidão e à forma violenta como os
escravos eram tratados. Certo dia, inadvertidamente, foi protagonista de um
episódio dramático. Um escravo conduzia a balsa na qual ele fazia uma travessia
de rio. Tentando se comunicar com ele para lhe dar instruções, Darwin começou a
gesticular e a falar alto. A certa altura, sem querer, esbarrou a mão no rosto
do negro. Este imediatamente baixou as mãos e a cabeça, colocando-se na posição
que estava habituado a assumir para ser punido fisicamente. "Que eu jamais
visite de novo uma nação escravocrata", anotou ele ao deixar a costa
brasileira.
Com reportagem de Marcio Orsolini
Fonte: Revista Veja
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